Seleção acanha-se entre o choque de realidade e a nostalgia
Deserto criativo que culminou na eliminação da Copa América indica a necessidade de táticas para encerrar o estio de craques e de maestros
Desta vez não se pode culpar Obdulio ou o imponderável. A queda para o Uruguai na Copa América tem caligrafia brasileira. Estava escrita nas estrelas que definham uma a uma, pouco a pouco.
Sai e entra técnico, o Brasil continua opaco. Sem maestros, sem solistas decisivos, desafina igual um violão esquecido no sótão. A melodia de outrora segue presa na lembrança, entre a nostalgia e o choque de realidade.
Anda cada vez mais difícil forjar a ilusão de logo reavê-la. Escassearam talentos para entoá-la.
O declínio técnico não nasceu da noite pro dia, ao acaso. Transcorre há duas décadas, movido pelo desvio na formação esportiva.
Menos dedicadas a revelar prodígios do que a competir, categorias de base passaram a valorizar volantes versáteis, combativos. Armadores e dribladores perderam espaço.
Enfeitada com ladainhas táticas, a mudança de prioridade reflete-se, de forma progressiva, incontornável, na seleção. De Scolari, de Tite, de Diniz, de Dorival. Nem Harry Potter daria jeito.
O desempenho pífio contra os uruguaios e a eliminação do torneio continental só surpreendem quem supervaloriza jogadores medianos e confunde bons atacantes com craques. Pior que muitos insistem na miopia. Recusam-se a admitir que o rei caminha nu faz tempo.
Outros convertem a decepção prolongada numa relativa indiferença. “Não perco mais tempo com a seleção”, desdenham as esquinas.
O compreensível gelo transborda a resignação dos que se cansam de aguardar o amor não correspondido. Um amor transfigurado, cuja distância da memória e da História o aproxima do platônico.
Símbolo da nossa identidade sociocultural, a seleção desperta a expectativa de retratar um país idealizado. Dela se espera o céu acima das vitórias, dos troféus. Espera-se a alegria descalça da molecada que faz miséria com a bola nos pés.
Espera-se alguma poesia, alguma graça, algum alento às asfixias e mesmices cotidianas. Espera-se uma rima perene entre sucesso e encanto, um salto até a borda da arte.
Hoje a Canarinho corteja o avesso disso. Não fossem os raros lampejos, estaria condenada ao irreconhecível.
À empáfia descabida, torcedores escaldados lembram: o mérito de integrar uma renomada liga ou equipe europeia não transforma ninguém em gênio da pelota. Muitos bambas, verdadeiros bambas, sequer pisaram fora da várzea de estimação.
“O jogo está mecanizado. Não é possível que ninguém saiba mais bater de trivela”, aflige-se Djalminha, no documentário “Já fomos bailarinos, hoje somos robôs” (2022, Frederico Pugliese). Quem ousaria acusar de exagero ou saudosismo o ex-Camisa 10 do Fla e do Brasil?
O polêmico Neymar revela-se um derradeiro craque. Se não desistir do futebol, ainda pode formar um time insinuante ao lado de Vini Jr. e de Rodrygo. Aí talvez a criatividade e o drible restituam um bocadinho da nossa alma dionisíaca, e as coisas voltem ao lugar.
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Mãos calibradas
Enquanto os holofotes se concentravam no fiasco das chuteiras, mãos bem calibradas redimiam, sem alarde, o orgulho verde-amarelo. A vitória sobre a Letônia, domingo passado, encerrou o hiato olímpico do basquete masculino. Depois da ausência em Tóquio 2021, voltamos!
Os comandados de Petrovic superaram o favoritismo adversário, as vaias do ginásio lotado, a desconfiança. Venceram os anfitriões do último Pré-Olímpico de ponta a ponta. Abriram oito a zero e expandiram a vantagem com fibra, habilidade, controle emocional.
Rolou até uma cesta antológica do meio da rua, pintura assinada por Bruno Caboclo. No fim das contas, a lavada de 94 a 69 saiu barato. Bom presságio para Paris.
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Breaking no Circo
Por falar em Olimpíada, o breaking faz uma escala no Rio antes da estreia nos Jogos parisienses. Domingo agora (14), a partir das 14h, o Red Bull BC One agita o Circo Voador. A seletiva do principal campeonato 1×1 da modalidade ainda acolhe, sábado (13), às 15h, na Fundição Progresso, uma oficina orquestrada pelo bicampeão mundial B-Boy Lilou
Os vencedores das batalhas cariocas classificam-se para a decisão nacional, cujos campeões garantem vaga na Last Chance Cypher. Desta etapa, saem os concorrentes que disputam o título mundial, dia 7 de dezembro, também no Rio.
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Corrida dourada de cartões-postais
O próximo domingo será igualmente festivo para a corrida de rua, cujo crescimento alinha-se às maravilhas da capital fluminense. A partir das seis da matina, milhares de corredores vão se confraternizar na tradicional Asics Golden Run. Trajetos de 21 e de 10 quilômetros abraçam a Zona Sul e o Centro.
Os participantes da meia maratona largarão do Posto 12, no Leblon. Já os reunidos na prova de 10k sairão da Praça Cuauhtémoc, no Flamengo. A chegada comum no Aterro reforça a lua de mel entre a transpiração e o cartão-postal dourado pela cultura esportiva.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.