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Fabiano Serfaty

Por Fabiano M. Serfaty, clínico-geral e endocrinologista, MD, MSc e PhD. Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Saúde, Prevenção, Tratamento, Qualidade de vida, Bem-estar, Tecnologia, Inovação médica e inteligência artificial com base em evidências científicas.

Medicamento brasileiro pode revolucionar o tratamento da disfunção sexual

Medicamento derivado do veneno da aranha-armadeira, que está transformando o tratamento da disfunção erétil e sexual com um mecanismo de ação inovador.

Por Dr. Fabiano M. Serfaty e Dr. Paulo Lacativa.
Atualizado em 18 jul 2025, 17h05 - Publicado em 18 jul 2025, 17h04
Médico diante de um painel de inteligência artificial.
A tecnologia traz novos recursos à Medicina, mas também novas responsabilidades. (Freepik/Reprodução)
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Dr. Fabiano M. Serfaty: Imagine uma aranha brasileira, temida por sua picada que provoca ereções intensas e dolorosas, tornando-se a chave para uma revolução na medicina. Essa é a história da BZ371A, um peptídeo sintético derivado do veneno da aranha-armadeira, que está redefinindo o tratamento da disfunção erétil e sexual com um mecanismo de ação inovador. Na vanguarda dessa descoberta está a Biozeus Biopharmaceutical, uma biotech brasileira liderada pelo médico e CEO Dr. Paulo Lacativa, que tem a missão de transformar a genialidade das pesquisas nacionais em soluções globais. Em estudos promissores, a BZ371A superou o padrão-ouro, a tadalafila, em pacientes pós-prostatectomia, e agora avança para tratar disfunções sexuais femininas. Por isso convidei Dr. Paulo Lacativa para esta entrevista, para mergulharmos no impacto dessa inovação, explorando como a ciência brasileira está reescrevendo o futuro da saúde sexual e colocando o Brasil no mapa da medicina e da biotecnologia. A Biozeus nasceu com uma proposta que rompe com a lógica tradicional da indústria farmacêutica no Brasil. O que motivou você a apostar em inovação radical criada dentro das universidades brasileiras?

Dr. Paulo Lacativa: O Brasil tem uma grande biodiversidade, fonte da maioria das criações. Basta lembrar que os análogos de GLP-1, os famosos Saxenda, Ozempic e Monjauro vieram do veneno da saliva do Dragão de Komodo. E o Brasil também tem grandes cientistas que fazem descobertas incríveis. O problema era fazer esta ponte entra a bancada e a prateleira da farmácia, que precisa de muito investimento – e um investimento de alto risco, e conhecimento em desenvolvimento. Os investidores entenderam que a proposta da Biozeus iria resolver este problema, e ainda iria estimular toda a inovação em saúde no país.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Como conectar essa descoberta acadêmica à indústria, desenvolvendo um produto seguro e eficaz?

Dr. Paulo Lacativa: O caminho é longo, em torno de 10 anos após a descoberta. São necessários diversos estudos em células, em animais, e depois nos seres humanos, mostrando sua segurança e eficácia; é preciso desenvolver uma formulação para permitir que a substância fique estável na prateleira, sem prejudicar sua ação; é preciso entender de patente; é preciso comunicar bem para mostrar os resultados aos investidores; é preciso obter as aprovações dos órgãos reguladores (ANVISA e FDA). Isto requer trabalho em equipe, com pessoas com diversas expertises, muita resiliência e um pouco de sorte.

Dr. Fabiano M. Serfaty: O BZ371a é uma das moléculas mais promissoras da ciência nacional recente. O que torna seu mecanismo de ação realmente disruptivo em comparação com as terapias clássicas para disfunção erétil?

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Dr. Paulo Lacativa: Primeiro, a capacidade de chegar onde deve agir, no “tecido-alvo”. Ao invés de administrarmos o remédio pela boca, o que expõe todo corpo à ação do remédio, desenvolvemos uma forma em gel para o remédio ser aplicado diretamente no pênis ou na vagina, evitando efeitos indesejáveis no resto do corpo, e permitindo usar uma dose potente. Segundo, a forma que o medicamento age no tecido-alvo, que é o corpo cavernoso do penis e da vagina. Esta região precisa se encher de sangue para ficar ereto, seja o penis ou o clitóris, e quem faz esta ação é o óxido nítrico, que dilata as artérias permitindo a entrada do sangue. Ao invés de dar óxido nítrico, o medicamento faz com que o próprio corpo produza esta substância. Ou seja, ao invés de dar o peixe, ele ensina a pescar. Este mecanismo permite uma ação mais eficaz, duradoura e segura, porque o corpo só vai produzir o que precisa (nem muito nem pouco). Finalmente, os remédios que estão no mercado para a disfunção erétil só funcionam quando a produção de óxido nítrico está mantida. Assim, uma parte dos pacientes não vão responder aos remédios tradicionais por terem produção baixa de óxido nítrico, como pacientes idosos, com pressão alta, glicose alta, colesterol alto ou com obesidade, em cadeira de rodas ou submetidos à prostatectomia. O BZ371A tem o potencial em agir onde os outros remédios falham, e já demonstrou isto no último estudo.

Dr. Fabiano M. Serfaty: A aplicação tópica da BZ371A é uma grande inovação, especialmente por evitar efeitos sistêmicos. Como essa característica pode mudar o paradigma no tratamento de disfunções sexuais, tanto em homens quanto em mulheres?

Dr. Paulo Lacativa: O gel é mais fácil de usar, e tem ação rápida: em 15 minutos já faz efeito. Além de evitar os efeitos sistêmicos, os estudos mostraram que é bem tolerado, e sem efeitos colaterais locais. Outra vantagem é que pode ser usado junto com os remédios orais, potencializando a sua ação.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Vocês também estão conduzindo um estudo com mulheres com disfunção sexual, um campo historicamente negligenciado pela ciência. O que vocês estão observando até agora?

Dr. Paulo Lacativa: Realmente, um campo muito negligenciado e até difícil de explorar devido o preconceito. Do ponto de vista biológico, o tecido-alvo é o mesmo, e as funcionalidades as mesmas, ou seja, a vagina tem os corpos cavernosos que precisam enchem de sangue como reposta à excitação sexual; e na presença de doenças que reduzem o óxido nítrico a mulher sofre. Nos baseamos muito no efeito conhecido no final do 2o semestre e início do 3o semestre da gravidez, quando a vagina recebe uma maior quantidade de sangue e aumenta o desejo sexual da mulher. Os estudos em animais mostraram aumento de fluxo e de excitação, além de demonstrar a segurança. Os estudos em humanos comprovaram a segurança e que não chega na corrente sanguínea – ou seja, sem possibilidade de efeitos indesejáveis no resto do corpo; e mostrou que o remédio aumenta a vascularização em mucosa. Um estudo está em andamento para avaliar se a mulher sente aumento de excitação e desejo.

Dr. Fabiano M. Serfaty: No estudo com pacientes submetidos à prostatectomia radical, os resultados foram surpreendentes. Quais dados mais te impressionaram nesse grupo tão desafiador?

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Dr. Paulo Lacativa: De fato, é uma população que não responde bem aos remédios usuais porque há uma queda abrusca da produção do óxido nítrico durante a cirurgia, que demora a se recuperar. Comparado com o tratamento padrão-ouro que é o tadalafila, 3x mais pessoas responderam ao BZ371A e 10x mais responderam à combinação do BZ371A com tadalafila. O mais impressionate, porém, foi que o BZ371A começou a agir logo no primeiro mês de tratamento. A importância desta fato é que o BZ371A pode ser usado para impedir a fibrose e a morte das células que ocorre pós cirurgia, e assim manter a integridade do pênis, evitando a perda da função de ereção. nenhum remédio existente no mercado faz isto.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Além do BZ371a, quais são os outros ativos do pipeline da Biozeus que têm potencial global? Em quais áreas terapêuticas vocês estão mais focados?

Dr. Paulo Lacativa: Desenvolvemos também um colírio para baixa a pressão do olho e tratar o glaucoma, baseado na mesma tecnologia. O colírio também serve para tratar doenças da retina, a parte posterior dos olhos, relacionada com baixa oxigenação, como a doença da retina causada pro diabetes. O FDA, agência americana equivalente à nossa ANIVSA, concedeu à medicação uma designação especial para tratar uma doença rara chamada de Neuropatia óptica isquêmica anterior (AION). Outro projeto são 6 moléculas que criamos para o tratamento de doenças pulmonares. Tivemos a oportunidade de usar durante a epidemia do COVID, e a medicação melhorou muito o grau de oxigenação no pulmão e a redução da pressão da artéria pulmonar. Em outras palavras, é capaz de tratar aqueles pacientes que chegam com falta de ar aguda na emergência, seja por asma, enfisema ou infecções como o COVID. Administrado através de nebulização, tem o poder de evitar que pacientes sejam entubados e acoplados nas máquinas para ventilar, ou facilitar sua retirada.

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Dr. Fabiano M. Serfaty: Historicamente, o Brasil sofreu com o chamado “Vale da Morte” da inovação, onde as descobertas científicas não chegam ao mercado. Como a Biozeus está conseguindo atravessar essa barreira?

Dr. Paulo Lacativa: O “vale da morte” é o período entre a descoberta e os últimos estudos antes da aprovação, que carece de investimentos. Na fase da descoberta, a academia é a grande financiadora e na fase final, a indústria farmacêutica é que investe. A Biozeus ocupa justamente o “vale da morte”. Para superá-lo, contamos com o investimento de grupos privados e públicos. A FinHealth é um fundo de capital de risco (Venture capital) que investe na área da saúde e apoiou a Biozeus desde o início. A FINEP, órgão público financiador de estudos e projetos, apoia a Biozeus inclusive no estudo de mulheres em andamento. Ao apresentar o projeto da disfunção erétil para um grupo de médicos urologistas de Belo Horizonte, eles decidiram apoiar e financiaram o estudo de fase 2. Para ter sucesso é preciso ter credibilidade, mostrar os avanços a cada passo e sempre produzir ciência de ponta, com qualidade e seriedade.

Dr. Fabiano M. Serfaty: Você acredita que o Brasil pode se tornar um exportador consistente de medicamentos inovadores? O que ainda falta para isso acontecer em escala?

Dr. Paulo Lacativa: Com certeza. Acredito que já está acontecendo. Hoje, diferente de 2012 quando a Biozeus foi criada, existem várias biotech, empresas de tecnologia que tem tentado desenvolver medicamentos inovadores. O ambiente melhorou, com mais apoio governamental das agencias de financiamento como as FAPs e a FINEP, além do BNDES; a própria mentalidade dentro das universidades mudou, vendo com bons ohos parcerias público-privadas. Falta ainda melhorar o aspecto de financiamento especialmente privado. Talvez um bom exemplo como o BZ371A ajude a mudar este cenário.

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