Jovens deixam indícios na inteligência artificial que se suicidariam
“Terapia” com ChatGPT é descoberta pelos pais depois da morte dos filhos
O prestigiado jornal americano The New York Times tem publicado seguidas reportagens sobre adolescentes americanos que cometeram suicídio e que, após suas mortes, os familiares descobrem enormes “conversas” desses adolescentes com Inteligência Artificial, como ChatGPT.
Esse fenômeno geracional, que trata plataformas como pessoas reais, a ponto de estabelecer diálogos como se fossem terapeutas, está causando uma grande discussão ética: afinal, as plataformas devem notificar os familiares caso eles estejam pesquisando e abordando o tema? O assunto importantíssimo se torna ainda mais relevante no mês de setembro, em que se chama a atenção para o suicídio.
Antes de mais nada, convém lembrar que plataformas como ChatGPT não estão aptas para atuar como psicólogo, terapeuta, analista, psicanalista ou psiquiatra. Trata-se de uma máquina que sequer tem ideias próprias: lida com um compilado gigantesco de informações, arrumando e rearrumando dados com muita eficiência, para responder perguntas. Sem qualquer possibilidade de profundidade, não leva em conta a subjetividade do indivíduo, seu contexto e históricos únicos, como qualquer profissional de carne e osso faria.
Não deixa de ser curioso que os jovens tenham se sentido mais à vontade de se abrir com o ChatGPT. Por que isso estaria acontecendo? Por que é de graça? Por que está à mão, acessível? Por que tem respostas imediatas? Por que na maioria das vezes responde o que você deseja ouvir? Por que não cobra deveres e responsabilidades de quem a consulta? São pontos absolutamente contemporâneos sobre os quais devemos refletir, cada um na sua realidade.
Também é interessante destacar um ponto recorrente nesses casos: o mais completo desconhecimento por parte dos pais, sempre perplexos, acerca do que ia à mente dos filhos, suas angústias, dúvidas e ideações suicidas. Obviamente, não se pretende aqui culpar quem quer que seja, mas sim jogar luz sobre o quanto a informação sobre o universo dos filhos pode colaborar na manutenção da saúde mental deles.
Estamos testemunhando uma ruptura geracional bastante significativa. Talvez a maior do último século: a irrefreável e inevitável voracidade com que a tecnologia impacta nossas vidas. As gerações que chegaram a usufruir de uma vida offline parece melhor munidas para enfrentar o momento. Ainda não temos, sequer, a dimensão do quanto a saúde mental dos jovens ainda será cobrada por este estilo de vida que cobra conectividade, interatividade, exposição e validação dos outros. Mas as reportagens do The New York Times dão uma triste pista do que os espera.
Fabio Barbirato é médico psiquiatra pela UFRJ, membro da Academia Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência e responsável pelo setor de Psiquiatria Infantil da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na PUC-Rio. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).
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