
Aos 60 então? A gente já se imagina mais calejada mas a perna treme. Confesso. Aquele filme lambuzado de sensações passa na sua cabeça. Lembrei de tanta coisa que nem estava preparada. Pedaços de conversas, beijos molhados, a foda longa e com bis na mesma noite. Ah, que delícia. Faz tempo né? E eu fingindo de rabo de olho que estava atenta a conversa do salão mas a minha mente acelerou demais. Foi como um chá de cogumelo que me trouxe uma clarividência indesejada. Não só lembrei como senti. Fiquei apatetada com tantas emoções. E decidi olhar para ele. Fitar mesmo. Encarei. Grisalho, marcado pela vida mas ainda dando um caldo. Senti seu cheiro de outrora, juro! Ouvi sua gargalhada, o mesmo riso que muito escutei. Sua esposa ao seu lado. Formam um belo casal e ele bem que tentou que eu estivesse no lugar dela. Não quis. Fiz errado? Acho que não. O que abalou minha estrutura foi o acaso. Não estava esperando encontrá-lo e esse dar de cara é mortal. Eu tentando ajeitar o inajeitavel com meus cabelos brancos, minha pele usada, meus olhos cansados. Ele sorriu normalmente. Tava na cara que não sentiu nada. Nadica. O túnel de ais e uis me atravessou em cheio. Só a mim. E pensei na Kika de hoje. Quase 61 anos e achando que ainda posso me meter nesse casulo de sentimentos e sair impune. Fiquei toda rasgada por dentro. Não me dei conta do inventário das emoções que tive que contabilizar sem aviso. Tonteei. A vida é breve e quando a gente reflete sobre o que passou, aquilo que parecia intenso demais, pesado demais, dramático demais, é a certeza que valeu a pena. Léguas depois revelou-se como um tapete mágico para eu voar de volta ao passado. E no meio da conversa saí de fininho para o banheiro. Me encarei no espelho, os olhos marejaram e eu agradeci. Por ter revivido a minha juventude naquele átimo. Virou colágeno para o coração e inspirou essas palavras. Você já sentiu isso?