Cristiana Oliveira (atriz): “Sou uma pessoa bastante machucada”
Atriz carioca vai estrear no espetáculo interativo “Corte fatal”, com direção de Pedro Neschling, no Teatro das Artes

Depois de quase um ano em cartaz com o espetáculo “Cá entre nós”, com Suzy Rêgo e Eduardo Martini, que também assina a direção, em São Paulo, onde mora há sete anos, a carioca Cristiana Oliveira está de volta ao Rio num trabalho totalmente diferente em 40 anos de carreira. “O Rio é minha paixão. Costumo andar com meu marido (o empresário Sérgio Bianco, com quem está há sete anos) e ficamos impressionados sempre. Moro perto da praia, em São Conrado, então é cada pôr do sol, cada lugar… Sinto saudade, mas me acostumei a morar em São Paulo, sou louca por SP, mas o Rio é um bálsamo”.
“Corte fatal” estreia dia 14 de março, com direção de Pedro Neschling, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, peça que transforma o público em parte da trama, com Carmo Dalla Vecchia e participação especial de Cristiana, tendo ainda Fernando Caruso, Douglas Silva, Paulo Mathias Jr. e Hylka Maria. A história se passa num salão de beleza em Botafogo, onde acontece um misterioso assassinato, levando o público a assumir o papel de detetive e influenciar os rumos.
Quando “Shear Madness” (título original) estreou num teatro de Boston (EUA), em 1980, ninguém poderia imaginar que, em 2020, ainda estaria em cartaz, tornando-se, segundo o “Guinness Book”, a peça não musical com maior tempo contínuo no mesmo teatro. Foi escrita em 1963 pelo alemão Paul Portner, já encenada em mais de 70 teatros na Alemanha, antes de rodar o mundo. No Brasil, teve apenas uma montagem, há mais de 30 anos.
Crica daria um tempo dos palcos este ano, mas não resistiu ao personagem Dona Meirelles e toda a história. “Resisti um pouco, não queria emendar um trabalho no outro, mas acabei percebendo que o que tinha diante de mim era algo completamente diferente. Pra mim, todo o processo de um espetáculo é um tesão. Não sou de criar expectativas, mas acho que vai ser um grande sucesso”, diz ela.
A atriz chegou ao Rio, ainda para as festas de fim de ano, com as filhas e o neto (Rafaella, 37, Antonia, 26 e Miguel, 12). Nos últimos 40 dias, passou por um problema na cervical que a levou a três internações – isso tudo em meio a ensaios. “Meu carnaval foi em casa, sem fazer movimento, só com fisioterapia e medicamentos. Preocupada em não atrapalhar o elenco, ensaiava todos os dias, mesmo com dor, às vezes, usando colar cervical, porque teatro é uma coisa que me cura, mas desta vez, foi sério”, diz a eterna Juma Marruá (da primeira versão de “Pantanal”, em 1990).
A atriz também está escrevendo, pela primeira vez como autora, junto a outras três roteiristas, para o fim do ano ou o próximo, além dos negócios — ela é empresária (diretora de comunicação da D’Bianco, marca de cosméticos da qual também é sócia, além da C.O. Joias e C.O. Cosméticos).
Há seis anos sem fazer TV (o último foi a novela “Topíssima”, da Record, e uma participação em “Pantanal”, versão de 2022), ela diz: “Sinto falta da TV, mas já cheguei a um ponto da minha vida que eu quero fazer personagens que realmente me desafiem. Não ligo para o tamanho do papel, porque não tenho essa coisa egoica. Idade até posso ter, mas eu acho que sempre fui muito respeitada, então não ligo pra tamanho de personagem, mas para o desafio. Que seja uma coisa diferente do physique du rôle que me deram quando olham pra mim e ficam, ‘ahh, mulher de 60 que ainda é bonita e pode fazer a perua rica’, mas eu também posso fazer mulher pobre, sofrida”, diz.
Quanto à falta de papel para mulheres maduras, cita que o etarismo existe em qualquer lugar, “porque, para a grande maioria das pessoas jovens, o velho é feio, é a consciência da finitude, uma coisa sem energia… Talvez a grande maioria, que não é muito esclarecida, tenha pavor da velhice porque é a direção para a morte; só que a vida não acaba aos 40. Eu tenho 61 e me sinto mais viva do que nunca. Obviamente que eu tenho dores, sou uma pessoa que tem fibromialgia desde os 20, dores crônicas, várias limitações físicas… Não pelo envelhecimento natural, mas de uma pessoa que tem isso geneticamente. Minha melhor forma foi aos 35, 36, fisicamente falando. Não sou uma pessoa que nega os fatos da vida. Estou de bem comigo mesma. Meu corpo é meu templo e admiro meu corpo com todos os defeitos que ele tem, com todas as marcas”.
UMA LOUCURA: Ter fugido da casa dos meus pais (Oscar e Eugênia) aos 16 anos. Fui morar num quarto em Higienópolis, em São Paulo, na casa de um cara que eu nem conhecia. Fui sem dinheiro nenhum, batendo de porta em porta, me oferecendo para trabalhar, mas eu era menor de idade, aí um supermercado me aceitou e eu trabalhei de caixa por um mês. Completamente irresponsável. Mas eu fui, sou sagitariana, me jogo. Tudo aconteceu porque eu queria ser atriz, estava fazendo um curso de improvisação no teatro; minha mãe foi assistir e me senti vigiada, queria ser uma pessoa livre. Aí escrevi uma carta para eles e disse que eu ia embora para ter minha vida louca. Em compensação, quando eu voltei, a minha relação com os meus pais melhorou muito, porque eu acho que os acordei de muita coisa. Sou a caçula de nove irmãos, era meio deixada de lado; houve uma maneira inconsciente de chamar atenção mesmo. Ia morrer se fosse com meus filhos. Depois dessa, a loucura era ir com mais 21 ambientalistas para o meio do mato, no Pantanal, para poder encontrar com populações ribeirinhas e poder ouvir os problemas. Morei em Manaus por quatro meses e isso foi depois da novela (‘Pantanal’, primeira versão). Até esqueço que sou conhecida: até em tribo indígena me reconheciam, mas ia e me misturava.
UMA ROUBADA: Em 2017, fui fazer um espetáculo no interior de SP. O contratante nos colocou num hotel de beira de estrada, hotel de caminhoneiro. Outra foi quando fui fazer um trabalho em Canela, no Rio Grande do Sul, como mestre de cerimônia: em vez de o motorista de táxi me levar para o hotel, me levou pra casa dele para apresentar à mulher que estava me esperando com uma caixa de xícaras de chá.
UMA IDEIA FIXA: Tenho um lado ambientalista, não como as várias amigas atuantes 24 horas por dia, mas me considero uma voz com atitude e, quando me manifesto sobre o assunto, sou muito criticada, me xingam. Estamos acompanhando essa loucura, esse desequilíbrio mundial e somos responsáveis pelas merdas que acontecem no mundo. Isso não é uma questão apenas governamental, mas individual. Quando me manifesto sobre preservação, queimadas, emergência climática, sou atacada por pessoas dizendo ‘lá vem essa mulher esquerdista’. Nem sei o que quer dizer, a pessoa nem sabe qual é a minha posição política e já vem falando, ‘olha lá aquela filha da puta que rouba da Lei Rouanet’… E não estou falando de cultura, mas da emergência ambiental, que é de responsabilidade antrópica do homem, e as pessoas vêm com esse negócio de polarização, uma ignorância absurda.
UM PORRE: Vários. Não lembro, porque, se eu tomo porre tenho amnésia, mas isso foi há uns 20 anos; depois, nunca mais. Não era de dar escândalo porque tenho um autocontrole absurdo, e muita gente nem notava. Não posso com vodka: em 2004, estava num restaurante com amigas e comecei a tomar uma caipivodka de limão, parecia um suco. Quando fomos embora, o povo andando devagar, eu parei e dormi na porta de uma igreja. Sorte que me acharam rapidamente. Nunca mais tomei vodka. Durmo fácil e em qualquer lugar, ainda mais com vida de artista, teatro, tendo que viajar… Já dormi no aeroporto, em cima de jornal, sem nenhum problema. Uma vez, escutei, ‘ihh, olha lá aquela atriz que fez Juma Marruá’. Você entende como eu sou? Absolutamente fora da casinha.
UMA FRUSTRAÇÃO: Não sei, porque sempre faço tudo o que quero. Não tem frustração, não. Ahhh, lembrei! Fico frustrada quando não faço as coisas do meu jeito. Por exemplo, estava com muita dor e não percebia que eu estava atrapalhando o ensaio, meus colegas e ninguém tinha falado nada. Fico chateada ao me cobrar, fico puta, o estresse aumenta, a dor aumenta.
UM APAGÃO: A morte da minha mãe, quando eu tinha 43 anos, a idade que ela me teve. Quando a vi morta no caixão, eu saí de mim, quase desmaiei. Foi um negócio horroroso. Minha mãe foi muito importante para mim. Meu pai também, mas eu não era tão madura quando ela morreu e já perdi muita gente (entre três irmãos, os pais e amigos). O que me ajuda a enxergar a vida de outra maneira é a fé. E ela morreu comigo, um negócio muito forte. Fui eu que providenciei velório, enterro assumindo uma grande responsabilidade. Então tudo aquilo me deixou muito aérea. Foi uma dor, que puta que o pariu! Perdi também minha irmã, há 10 anos, que era minha melhor amiga. Sou uma pessoa bastante machucada – sinto que tenho umas cicatrizes.
UMA SÍNDROME: Ansiedade generalizada.
UM MEDO: De perder mais gente. Peço a Deus todos os dias e às energias positivas para não me levarem mais ninguém. O pior é que a gente envelhece e vai perder muita gente. Não tenho medo de morrer, mas de perder mais alguém. É sofrido demais; você não se acostuma, mas administra a perda. Dizem que a perda é inevitável; o sofrimento, opcional. Não acredito que, nesse caso da morte, o sofrimento seja opcional, e a gente tem que ter um tempo de luto.
UM DEFEITO: Tantos, mas vou eleger a impaciência controlada. Sou a pessoa mais ouvinte que existe, tenho um ouvido ativo pra tudo, mas eu tenho certas irritações, como a pessoa que fica repetindo muito o mesmo assunto, batendo na mesma tecla. Começa a me dar um nervoso, que eu começo a falar ‘tá bom, tá bom, tá bom, chega’. Mas quando a pessoa precisa ser escutada, eu respiro fundo e ouço.
UM DESPRAZER: Estar perto de gente arrogante e injusta; às vezes, sou obrigada a estar com gente assim.
UM INSUCESSO: É não ver a aceitação das pessoas com o que está acontecendo com o nosso planeta. É um insucesso, uma coisa que a gente tem que lutar muito para ser visto, para ser lido. Eu continuo insistindo, mas as pessoas não ligam, não querem ver, não querem ouvir, não querem prestar atenção. Um insucesso é você insistir até ver o mundo sangrando, sem volta. Das coisas que mais engajam na Internet, por exemplo, é mulher de biquíni, gente doente ou morte. Quando publicamos algo que tenha a ver com a sustentabilidade, que é o que você vai deixar para os seus filhos e para os seus netos, as pessoas cagam e só pensam no agora. Até nós, que somos pessoas conscientes, acabamos cometendo erros, mas, em geral, elas estão um pouco se lixando se o mundo vai acabar, se não vai acabar, se o mundo está quente, se não está quente. Só vai acreditar quando acontecer com ele individualmente alguma coisa de consequência negativa. Aí ele vai aceitar e vai começar a falar no assunto. Mas, enquanto não acontece com ele, continua individualista. Ele não olha o outro. Mas eu não vou desistir.
UM IMPULSO: Só há 20 anos, hoje não mais. Penso muito antes de comprar, de fazer qualquer coisa. Talvez o que ainda exista seja cuidar da minha alimentação, por questões de saúde, porque eu sou celíaca, tenho certas limitações com leite, tenho alergias, procuro não comer muito açúcar… O meu impulso é sair comendo tudo que eu quero, mas de comida mesmo, não de besteira. Agora, todos os impulsos da vida eu tive quando mais nova; agora a véia aqui já não tem mais, tomou juízo.
UMA PARANOIA: A de fazer tudo perfeito. Sou chata pra caralho. Deveria me tratar um pouquinho melhor.