“Invertida”, por Raphael Montes: “Gosto de gente com defeito”
O suspense “Dias Perfeitos” estreia na Globoplay dia 14 de agosto, com direção de Joana Jabace e roteiro de Claudia Jouvin

Difícil acompanhar o ritmo de Raphael Montes que, a cada piscada, está envolvido em algum projeto. Aos 34 anos, esse carioca (formado em Direito pela UERJ) tem oito livros lançados, um prêmio Jabuti (2020), foi o autor mais vendido da última Bienal do Livro, o brasileiro mais vendido da Companhia das Letras em 2024 — a soma dos oito anos na editora bateu 1 milhão na última semana (02/07) —, além das edições traduzidas para outros idiomas como, por exemplo, o suspense “Dias Perfeitos”, que está em 25 países e cuja adaptação da Globoplay estreia dia 14 de agosto, com direção de Joana Jabace e roteiro de Claudia Jouvin, com os atores Julia Dalavia e Jaffar Bambirra.
O estilo de literatura de suspense tem conquistado muita gente. Se perguntar o autor predileto de Montes, está na ponta da língua: Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e Sidney Sheldon, mestres do gênero.
Ele criou a produtora Casa Montes, em 2021, que transforma seus conceitos em projetos para serem apresentados ao audiovisual. “90% são ideias originais minhas, mas também já compramos os direitos de outros dois livros de autores nacionais para adaptar”, diz.
Entre os livros, estão “Jantar Secreto, “Suicidas”, “O Vilarejo”; “Bom Dia, Verônica” e “Uma Família Feliz”, que viraram produções audiovisuais. Ele também assina o roteiro de “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais” (as histórias de Suzane Von Richthofen) e foi roteirista da primeira novela brasileira da HBO Max, “Beleza Fatal”. Também fez o roteiro de um filme de ficção inspirado no caso de Elize Matsunaga, que chega, em breve, à Netflix. “Tenho vontade de ver todas as minhas histórias adaptadas; tenho projetos em negociação e alguns em desenvolvimento, mas ainda nada confirmado”.
E, claro, como noveleiro fanático, a TV aberta está em seus planos. “Deve ser interessante essa vivência de escrever para um público mais amplo e também sentir a realidade, tendo a reação do público diariamente como resposta para o meu processo criativo. É escrever uma novela enquanto ela está no ar, uma experiência que ainda não tive”, diz.
E ainda sobra tempo para viajar com o namorado, o produtor de cinema Victor Prataviera, juntos há 10 anos (era seu leitor e hoje trabalha como produtor-executivo da Casa Montes), ir a shows e curtir os amigos. “Se não fosse isso, eu já teria escrito 20 livros”.
UMA LOUCURA: Apesar das tantas histórias mirabolantes, não sou de loucuras. Um dos meus autores favoritos é Stephen King, mas ele faz pouquíssimas aparições públicas. Há uns anos, ele anunciou uma palestra em NY, os ingressos se esgotaram em um minuto, mas meu marido tinha comprado de surpresa, e não tínhamos nem passagem. Viajamos só pra ver o King. Valeu muito a pena.
UMA ROUBADA: No início da minha carreira, fui convidado por uma escola pública para conversar sobre meus livros. Quando cheguei, o público era o Jardim de Infância. Não dava para falar sobre os temas, por exemplo, do “Suicidas”, nem sobre um jantar canibal; então improvisei e perguntei quem gostava de fantasmas, monstros. Expliquei que eu escrevia histórias que dão medo e comecei a fazer o “Rapha para baixinhos”. Funcionou no improviso.
UMA IDEIA FIXA: Tenho essa coisa de trabalhar o tempo inteiro, porque tenho uma espécie de urgência em querer contar muitas histórias. Já escrevi oito livros, mas, na minha lista, têm mais 12 ideias, entre novelas, séries e livros. Então quero escrever muitas histórias, o que pode ser bom, mas também tem o lado ruim, que é fazer um já pensando em outro e não dar tempo, porque o dia só tem 24 horas. Estar dentro da minha cabeça não é tão divertido; não é essa coisa tão mágica como pensam. Sou só uma pessoa que tem muitas ideias e vontade de fazê-las. A minha obsessão é realizar. O plano das ideias não vale nada.
UM PORRE: São alguns. Quando eu tinha uns 18 anos e estudava Direito, fui pra festa de fim de ano de um escritório de onde eu era estagiário. Eu estava muito animado, era um bar incrível, bebida liberada, e foram muitos shots de tequila. Quando acordei, tinha quebrado o pedaço de um dente. Pelo que entendi, devo ter batido em algum lugar, e ainda bem que não foi na cabeça de um chefe. Desde então, não bebo mais… tequila.
UMA FRUSTRAÇÃO: Sou uma pessoa que pensa muito pra frente e não guardo mágoas de coisas que me fizeram; por isso, tenho poucas frustrações. Acho que a única é o dia não ter 100 horas.
UM APAGÃO: Aos 23, fiz uma entrevista com o Jô (Soares); eu estava muito nervoso. No final, eu não fazia ideia do que tinha falado nem do que ele me perguntou. Sou uma pessoa de pouca memória: um lado ruim é esquecer o nome das pessoas.
UMA SÍNDROME: Sou o louco da lista. Adoro fazer listas de coisas, das ideias, de títulos que eu amo, nomes de personagens, lista do que eu tenho que fazer no dia. Minha vida é por listas, tanto que, quando converso com as pessoas, começo com “tenho três coisas pra falar com você… A primeira é tal….”. Me dá paz fazer lista.
UM MEDO: Pode ser curioso pelo conteúdo que escrevo, mas é da morte. Detesto a ideia de morrer, por vários motivos. Primeiro porque, apesar das histórias que matam tanta gente, sou um otimista, um bon vivant, gosto de estar com as pessoas, das experiências da vida, dos amigos, das viagens… Lamento que isso tudo vai acabar. E tem também a vontade de contar muitas histórias. Tudo bem que tenho 34, mas tem esse relógio girando e acho que não vai dar tempo pra tudo. De algum modo, ser artista é o mais próximo que chegamos da imortalidade, pela música, pelas histórias, pela arte.
UM DEFEITO: Sou muito atrasado; não tenho noção do tempo. Até quando eu tenho a chance de ser pontual, eu me atraso. Mas nada absurdo: uns 15 minutos, meia hora, e ainda aviso. Eu me atraso para reunião de Zoom.
UM DESPRAZER: Conversar com quem se leva a sério demais e acha que sabe tudo, é o dono da verdade, tem todas as opiniões formadas. Gosto de gente com defeito, que sabe mudar, que pode mudar, que confessa seus deslizes, seus preconceitos, seus medos. Rir de si mesmo é muito bom.
UM INSUCESSO: Não sei se é um insucesso, porque repercutiu enquanto durou, mas foi uma coluna que eu fazia em O Globo por dois anos, e era semanal. Dava um trabalho… Tinha que entregar todo sábado, então as minhas sextas passaram a ser o pior momento da semana. Eu sofria. Sou um contador de histórias, mas não sei observar o cotidiano e fazer uma coluna. Sei observar o cotidiano e bolar uma história. É algo que nunca faria de novo.
UM IMPULSO: É querer fazer tudo ao mesmo tempo, viver intensamente. Brinco que eu não aguento um “vamos”, que já estou indo pra tudo, pra encontrar os amigos, pra viajar e pra fazer projetos. Eu escrevi oito livros, mas se eu não gostasse tanto de viajar, encontrar os amigos, bater papo, beber e comer bem, acho que já teria uns 20. Além de tudo, eu ainda gosto de uma roda de samba. Se eu ficasse mais em casa, faria mais coisas. Um dia, fazendo uma mesa com uma autora islandesa, falei: “Pô, morar na Islândia é mole pra concentração! Difícil é a gente morar em Ipanema, ter a praia ali do lado e conseguir ficar em casa”.
UMA PARANOIA: Sempre penso que tudo pode dar errado ou acabar em tragédia. Não gosto de viajar em família com apenas um carro — tem que ser dois; avião, a mesma coisa. Quando o marido sai de casa, eu falo pra ter cuidado ao atravessar a rua. Penso em tragédia o tempo inteiro.