Por dentro do SXSW – mais importante festival de inovação do mundo
Brasil teve a maior delegação estrangeira, com cerca de 3 mil participantes presentes ao evento, em Austin, no Texas
A princípio apenas um evento de música, o SXSW se tornou o maior festival do mundo de interação, criatividade e tecnologia, com palestras que interessam a todas as áreas de negócios. Desta vez, Austin, capital do Texas – que tem o lema “Keep Austin Weird” (Mantenha Austin estranha) e é constantemente vibrante e diversa -, recebeu uma mega delegação brasileira, com mais de três mil participantes, pelo que se especulou na semana.
Durante dez dias – o festival termina no sábado, 16 de março -, a cidade conhecida por sua cena musical, gastronômica, cultural e vida noturna animada é tomada por gente de diversas partes do mundo, ávida por informação e novidades. Mais que pelo SXSW, Austin certamente vale como destino turístico, com seu espírito criativo e empreendedor.
Claro que a IA dominou a temática das conferências. Entretanto, o empresário Rafael Lazarini, que se inspirou no SXSW parar criar o Rio2C e frequenta o festival desde 2007, alerta: “A tecnologia é uma plataforma a ser usada em nosso benefício, em prol do progresso humano, melhoria de qualidade de vida, redução de desigualdade, conexão global. Se ela não for usada por esses fins perde propósito, aí de fato temos que refletir muito porque existe uma tendência pro “hype”, um endeusamento da tecnologia. E aí a gente acaba perdendo a perspectiva de que aquilo é apenas uma ferramenta que deve nos ajudar a construir um futuro melhor e mais inclusivo.”
A jornalista e empresária Kiki Moretti, dona da agência de comunicação Inpress, que participa do festival desde 2019, concorda e cita a palestrante americana, pesquisadora e podcaster Brené Brown. “Estamos construindo uma sociedade de intimidade artificial e isso é o grande perigo, não há relacionamento. E precisamos lutar por isso! Esse mundo muito tecnológico esta causando uma desconexão absurda”. Kiki admite ainda que achou o conteúdo bem amplo este ano e que não houve nenhuma novidade excepcional em termo de tecnologia durante a feira.
E se em 2023 ainda não havia nenhuma legislação sobre IA, neste ano a União Europeia ficou mais próxima de adotar as primeiras regras para inteligência artificial do mundo. Chamada de “Lei de IA”, a medida vai restringir o uso por governos de vigilância biométrica em tempo real em espaços públicos a casos de determinados crimes.
Enquanto isso, o número de palestras sobre saúde e educação também impressiona. Assuntos como música e cinema, claro, são constantes. E, para meu deleite de estreante no festival, temas como turismo, gastronomia e vida digital também foram amplamente discutidos, inclusive com casas de países distintos, como Canadá e Austrália. Este último focou em turismo, natureza e inclusão.
Além das gigantes salas do Centro de Convenções de Austin, havia o divertido e instigante pavilhão de exposições, com invenções como robôs que entregam comida, cadeiras de massagem ultra tecnológicas e outros “gadgets” variados.
A Casa São Paulo, com alto investimento do estado mais rico do país, se tornou uma espécie de Embaixada do Brasil e recebeu nomes relevantes da indústria musical, digital e do audiovisual. O cantor e compositor Simoninha era uma figura frequente por lá e reitera: “Foi muito interessante observar as tendências da música no geral, ver como a IA vai afetar nossas vidas e profissões. Mas acho que como a maior delegação depois da americana, podemos pensar em ter uma participação maior da nossa música e cultura e, assim, trazer mais nomes e artistas que possam se apresentar para os gringos conhecerem.”
Para Kiki Moretti, o SXSW se firmou como local de networking e aprendizado para os profissionais de comunicação e de todas as indústrias impactadas pelas novas tecnologias. ”Importante demais a organização da Casa São Paulo, como catalizadora e promotora da inovação brasileira. Os painéis realizados lá são a indicação de que há muita inovação cultural e social acontecendo em mercados emergentes como o Brasil”, diz.
Aliás, o único intérprete brasileiro convidado a cantar foi o carioquíssimo Marcelo D2, que levou o seu novo samba tradicional para o festival, com a roda “Marcelo D2 e um Punhado de Bamba”, no descolado bar Speakeasy, na Congress St, uma das mais importantes de Austin, dominada por conterrâneos eufóricos. “Não me sinto tão empolgado desde ‘A Procura da Batida Perfeita’. Levar a minha música pela primeira vez para um festival desse porte é a realização de um sonho. Acompanho de longe o SXSW. Fazia tempo que queria conhecer o festival e acabei fazendo isso da melhor forma, cantando! Foi incrível apresentar o novo samba tradicional em Austin, ao lado de uma grande roda de samba.”, diz ele.
Falando em música brasileira, Pedro Kurtz, Diretor de Conteúdo – Américas na plataforma Deezer, que participou do painel “O Momento da Música Latina na era da Globalização”, achou um privilégio poder falar sobre música na América Latina – em português e espanhol – e trazer contexto e discussão para pessoas de muitas partes do mundo. “Acredito que o boom da música latina está acontecendo pelo advento do streaming de música, principalmente pelo fator on demand, que faz com que os usuários tenham a possibilidade de ouvir a música que quiserem, no momento que quiserem, algo que não acontecia 12 anos atrás. Além disso, as ferramentas de comunicação, as redes sociais, fizeram com que as fronteiras ficassem menos distantes ou mais possíveis de serem atravessadas”. Ele frisa ainda que no mainstream, Anitta, Alok, Pablo Vittar, Ludmilla, Vintage Culture e, mais recentemente, Luisa Sonsa estão liderando este movimento de internacionalização da música brasileira.
Enquanto isso, o empresário Kondzilla, um dos palestrantes da Casa São Paulo, reitera o quanto é importante o Brasil afirmar sua presença dentro de um evento de inovação do porte do SXSW, e que assim, “contribuímos para o desenvolvimento da economia criativa não só no nosso país, como no mundo”.
As ativações
As ativações das marcas claro que fazem parte do programa da feira e são excepcionais! Distribuidoras de cinema, como Paramount, montaram sua própria casa, com uma dezena de experiências relativas aos seus próximos lançamentos, em grande parte divertidas e originais. Netflix e Amazon também tiveram suas próprias ativações. O curioso é que elas duram apenas alguns dia, ou seja, a disputa para participar era acirrada!
Os eventos
Dos incontáveis eventos paralelos, o Brasil foi responsável por alguns dos mais animados, como o da Forbes Brasil, em um bar local, o Antone’s Nightclub, com direito à apresentação da banda The Motts. Já o Podcast Flow, um dos mais assistidos do país, com mais de 5 milhões de inscritos no Youtube, recebeu seus convidados até 3h da manhã na festa O Baile, enquanto a TV Globo produziu um agradável Happy Hour nos jardins do elegante hotel Four Seasons, com direito à apresentação da dupla de músicos Simoninha e Jairzinho, que animaram todos com seu clássico repertório brasileiro.
“O SXSW é como um incrível dicionário de culturas, artes, tendências, estilos, linguagens e relacionamentos humanos. Entrando em contato atento com este universo de vocábulos diversos, impactantes e poderosos – disponíveis em abundância em todos os ambientes deste dinâmico centro urbano de Austin – podemos certamente escrever histórias próprias mais empáticas (com mais inteligência social), mais pertinentes, mais culturais, mais inspiradas e mais inspiradoras”, diz Jairzinho.
É interessante ver como nesta época a cidade toda gira em torno do SXSW. Inúmeros hotéis, bares e restaurantes são parceiros do evento e ficam extremamente disputados. O hotel Fairmont é um dos grandes hubs do evento, com passagem direta para o Centro de Convenções e com andares dedicados aos participantes, com salas de palestras, exposições e experiências de realidade virtual, por exemplo.
“Austin foi a capital da inovação esta semana , com uma pluralidade de temas e nacionalidades discutindo qual a próxima tendência e suas implicações colaterais nas nossas vidas, no nosso dia a dia profissional. A Web .3 é um tema que me interessa. Foi eclipsada pela IA como tema, mas tudo se inter-relaciona e conversa entre si, num diálogo vertiginoso difícil de acompanhar ou se omitir”, diz Marcelo Castello Branco, executivo da área de música e entretenimento, e meu marido.
O SXSW propõe uma semana intensa de conhecimento e conexões, e a cidade é um cenário perfeito e acolhedor para este evento que se confirma no calendário anual como um dos mais relevantes e magnéticos para vários setores, não só da economia criativa.
engrenagem
Renata Araújo é jornalista e editora do site de turismo e gastronomia You Must Go! e autora da página de instagram @youmustgoblog