Forró no Rio: o ritmo que conquistou a cidade maravilhosa
O forró ganha cada vez mais espaço na cidade com forte presença feminina em festas e festivais.

O Rio de Janeiro é mundialmente conhecido pelo samba, mas nas últimas décadas outro ritmo tem ganhado ruas, praças, clubes, centros culturais e salões da cidade: o forró. De origem nordestina, o gênero atravessou fronteiras e encontrou abrigo caloroso nos corações cariocas. Prova disto é que não faltam eventos e festas dedicadas ao tema, nesse mês que também é das festas juninas.
Mas durante décadas, o universo do forró foi dominado por vozes e lideranças masculinas, tanto nos palcos quanto nas rodas de dança. Essa história está mudando — e rápido. Hoje, mulheres comandam trios, ensinam passos, produzem eventos e reinventam o forró com olhar político e poético. Se antes o papel feminino era quase sempre o de dançarina no salão, agora elas lideram com maestria, guiam danças, desafiam normas e ampliam o espaço de expressão e liberdade dentro da cultura forrozeira.
Cantoras e instrumentistas como Natascha Falcão, Mariana Aydar e Lucy Alves têm sido protagonistas de uma cena musical que revisita o forró com afeto e inovação. Elas incorporam letras de resistência, feminismo e identidade em meio ao ritmo do triângulo e da zabumba.
“O forró era território de homens, mas a gente vem ocupando com talento, sem pedir licença e sem perder o suingue”, diz Natascha Falcão, artista pernambucana que tem se destacado nas rodas do Rio.

E é Natascha uma das vozes e também organizadora do Forró da Lagoa, realizado às quartas-feiras, no Kingston Club. Ao lado de Igor Conde e Vitória Rodrigues, Natascha canta com uma turma arretada de forrozeiros conhecidos, em um dos redutos mais queridos atualmente por quem ama dançar agarradinho. Experiência que vale super a pena e por muitas razões: o cenário é único; é possível aprender a dançar e soltar o corpo nos aulões que servem como porta de entrada para quem ainda está tímido nos passos; é fácil fazer amigos, encontrar parceiros de dança e se integrar num ambiente leve; e o preço é justo, com gratuidade parcial e valores acessíveis. Mas lota, então para garantir sua entrada, compre logo o ingresso e chegue cedo.
Outro grupo feminino que tem se destacado na cena forrozeira é o Tocaia, quarteto carioca formado por quatro mulheres — Bela Ciavatta, Mari Jasca, Paloma Ronai e Renata Neves — com seu forró moderno e cheio de sabor. Com pouco mais de dois anos de estrada, o grupo mescla o repertório clássico do forró pé-de-serra (incluindo Dominguinhos e Luiz Gonzaga) com releituras dançantes de músicas latino-americanas, versões em francês e até arranjos de forró-jazz autorais
No interior do estado, o Festival de Forró de Aldeia Velha, em sua 13ª edição – um dos maiores do gênero – faz homenagem às mulheres forrozeiras. Começa nesta quarta-feira (18), e a cantora Taís Lara abre os trabalhos com o show Rainhas do Forró, mesmo nome de música de sua autoria, que celebra Marinês, Glória Gadelha e Anastácia, nomes importantes da cena nacional, pioneiras que abriram caminhos, chegando até as contemporâneas Elba Ramalho e Marília Mendonça.
Confirmando a importância que o forró vem ganhando cada vez mais em todo o Brasil, em 2021 as Matrizes Tradicionais do Forró foram reconhecidas como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Agora, foi aprovada, no Rio, a criação do Dia Municipal da Mulher Forrozeira Carmélia Alves (14 de fevereiro). Também tramita, Projetos de Leis de mesmo teor nas esferas estadual e federal, homenageando respectivamente Cátia de França e Chiquinha Gonzaga (irmã de Gonzagão).
Do “forrobodó” à Lapa
Nascido no sertão do Nordeste, o forró é uma expressão genuína da cultura popular brasileira que se divide em diferentes estilos, como baião, xote e xaxado, surgidos no início do século XX e popularizados por artistas, em especial Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Jackson do Pandeiro. A instrumentação simples — sanfona, zabumba e triângulo — contrasta com a complexidade rítmica e a profundidade lírica que embalam histórias de amor, saudade e resistência.
Mas afinal, como esse som do sertão se firmou na paisagem urbana do Rio? A resposta está no próprio movimento migratório que levou milhões de nordestinos a grandes capitais brasileiras. No Rio, o ponto de encontro mais simbólico dessa diáspora cultural é o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, na Feira de São Cristóvão. Lá, o forró nunca para. Bandas se revezam nos palcos embalando o público com clássicos do repertório pé-de-serra e versões modernas que flertam com o pop e o eletrônico.
Outro destaque tem sido o Forró da Gávea, realizado em algumas quartas-feiras na Zona Sul da cidade, encontro reúne há anos forrozeiros de todas as idades em um dos redutos mais queridos, com participação de artistas como Pedrinho Miranda, Mestrinho e Marcelo Mimoso, entre outros.
A cena forrozeira carioca também se fortaleceu com eventos como o Forró do Rio, realizado em espaços como a Fundição Progresso e a Lapa. O festival atrai nomes consagrados do gênero, além de novos artistas que experimentam fusões com reggae, jazz e música eletrônica.
Seja como símbolo de resistência cultural, seja como diversão genuína, o forró segue mais vivo do que nunca no Rio de Janeiro. Entre um passo e outro, ele reafirma o que a cultura popular sempre soube: a arte nasce do encontro, e a dança é uma forma de pertencimento. Enquanto houver zabumba e coração batendo no compasso, o forró continuará a transformar o Rio em um pedaço dançante do sertão.