Moacyr Luz está a mil e não há pandemia, isolamento, Covid-19 que o faça parar. O compositor deu nó em pingo d’água e transformou em pura criação todo o caldeirão de sentimentos que afloraram nesse período de março de 2020 até hoje. Foram mais de 100 músicas compostas com parceiros como Diogo Nogueira, Xande de Pilares, Cristóvão Bastos, entre tantos outros. É finalista em três escolhas de samba-enredo – Mangueira, Vila Isabel e Tuiuti. E eu destaco os versos “É verde e rosa a inspiração, a devoção por toda nossa raiz, quem traz a cor dessa nação sabe que o morro é um país”, poesia pura no samba da escola de Cartola.
Agora, na segunda-feira, dia 6, e no feriado de 7 de setembro, Moa, como é conhecido, vai fazer duas edições especiais do Samba do Trabalhador, lá no Clube Renascença. “A gente vai fazer essa dobradinha pela primeira vez, muita gente pedindo, dizendo que queria vir, e por causa de restrição de lotação e espaço, queremos atender a todos mas manter as regras de segurança de público como necessário. Muita gente procurando o nosso samba por conta desse feriado”, conta.
Estive lá com ele na última segunda e me vi diante da mesma pergunta que o próprio Moa se fazia: o que faz uma pessoa sair de casa numa segunda-feira, debaixo de chuva, e ir ao Clube Renascença? E a resposta me pareceu ser a mesma que encontro em mim: um amor absoluto pelo samba, uma necessidade urgente de tudo aquilo. É o afeto, o canto conjunto, o estar lado a lado sem se importar quem é aquela pessoa que canta como você…é o tal coro que só o samba tem, são as pastoras, o clima de festa e a alegria. A vida tá carecendo disso.
O Samba do Trabalhador voltou a ser realizado de forma presencial desde 6 de junho, com todos os cuidados necessários, inclusive restrição de público. O local, que recebia até 1.200 pessoas nas noites de pico, antes da pandemia, agora abre para apenas 400 pessoas, que se espalham pelo local em mesas distantes e ao ar livre. A roda está montada em formato de palco, para diminuir a aglomeração. Além disso, há medição de temperatura na entrada, exigência de uso de máscaras e vidros de álcool gel espalhados pelo local.
Foi dessa forma que Moa conseguiu manter os oito músicos da banda, mais o pessoal de portaria, segurança, banheiro, brigadistas e produtores trabalhando, na contramão de tudo o que tem acontecido quando o assunto é cultura. Trinta pessoas têm conseguido trabalhar com a resistência do Samba do Trabalhador. Que promete ser especial na próxima segunda, dia 6 de setembro, véspera do feriado da tal Independência do Brasil, quando as vozes vão se juntar para um grito de liberdade, esse sim bem verdadeiro.
Antes que tudo acabe
Na agenda mais que animada do cantor, tem o lançamento de um disco novo, que ganhou o sugestivo nome “Antes que tudo acabe”, feito com Rogerio Batalha, um parceiro do bairro de Vista Alegre, como ele conta, só voz e violão. E tem ainda o samba em homenagem aos 90 anos do Cristo Redentor, “Alma Carioca”, que será lançado em 12 de outubro, data de aniversário do mais importante ícone carioca. Dirigido por Max Pierre, foi gravado por muitas vozes, como Zeca Pagodinho, Maria Rita, Paula Toller, Fernanda Abreu, Martinália, Sandra de Sá e até o Padre Omar.
A verdade é que Moa não para e que a pandemia só serviu para colocar ainda mais combustível numa mente criativa que consegue compor três músicas por dia. “Chega tudo pronto na minha cabeça, não tem isso de ficar pensando. Se pensa muito, larga a música pra lá, não tem que ser. Às vezes, componho em cinco minutos, como já aconteceu. Outro dia, Nego Álvaro (músico que também integra o Samba do Trabalhador) me pediu uma música e tinha pressa, e em cinco minutos estava pronta”, conta em meio às risadas e à confirmação do parceiro que estava nessa conversa com a gente, na última segunda-feira lá no Samba do Trabalhador.
O formato híbrido, com trabalho e apresentações virtuais, ele acredita que veio para ficar. Com Sereno, por exemplo, do Fundo de Quintal, Moacyr Luz só compõe de forma de virtual. Algumas mudanças de comportamento, como lavar as mãos com regularidade, não usar sapato em casa, e a adoção de serviços como os deliveries, ele acredita que não voltam mais atrás. “Mudou pra sempre, e acho isso bom. Tem hábitos, inclusive, que eram dos tempos das nossas avós, como chegar em casa e calçar o chinelo, tirando o sapato da rua”.
Mas, mesmo se adaptando a esse novo cotidiano, o compositor da Guanabara sente saudades do palco e da presença das pessoas. “Samba tem que ter coro, pastora, gente. Faz falta o aplauso, o grito gaiato de quem quer ouvir algo ou um comentário brincalhão”, diz.
Sobre o carnaval, festa à qual ele também é muito ligado, ele acredita que vai haver primeiro uma espécie de catarse, assim que for possível realizar, mas acredita que com tantas mudanças na vida de todos, o caminho seguinte será um ajuste natural, em termos de tamanho de público. “O tamanho dos blocos ficou impossível, nem é bom de brincar. A gente ia ao Bola Preta e encontrava os amigos, hoje já não dá mais”.
Planos para o futuro, o mais imediato, segundo ele, é não pegar a Covid-19. Depois, finalizar o disco novo e tocar em um palco no réveillon do Flamengo, bairro onde mora, com o Samba do Trabalhador. Onde, aliás, ele faz churrasquinho com amigos todas as tardes de terça-feira, no gramado em frente ao Posto 3 da Praia do Flamengo. “Minha vida é na rua. Preciso ver gente”, diverte-se, partindo para o público que o espera no palco de mais um Samba do Trabalhador.
Rita Fernandes é jornalista, presidente da Sebastiana, pesquisadora de cultura e carnaval.