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O estigma da bola preta

Em um jogo de intrigas e hipocrisia, a atriz Guilhermina Guinle teve seu nome rejeitado pelo Country, o clube mais fechado da cidade. Inconformada com o veto, ela vai tentar de novo

Por Sofia Cerqueira e Carla Knoplech
Atualizado em 5 jun 2017, 14h10 - Publicado em 20 fev 2013, 21h28
Foto Fernando Lemos
Foto Fernando Lemos (Redação Veja rio/)
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Enclave de aristocrática elegância em frente da Avenida Vieira Souto, o Country costuma ser um oásis de paz em meio à balbúrdia que toma Ipanema no Carnaval. Os sócios do clube mais fechado da cidade seguem sua agradável rotina de jogos de tênis, drinques à beira da piscina e bate-papos na varanda do restaurante, alheios à turba que se esparrama à sua volta atrás de blocos como Simpatia É Quase Amor. Habitualmente tranquilo, o feriado deste ano teve um tom diferente. As conversas, sempre em voz baixa, civilizadíssima, foram dominadas por um único assunto: a saraivada de bolas pretas disparadas contra Guilhermina Guinle no último dia 30. A artilharia (na verdade cinco disparos certeiros) abateu temporariamente os planos da herdeira de duas das mais conhecidas famílias cariocas para se tornar sócia titular do clube que frequenta desde o dia em que nasceu. Neta de Octavio Guinle, o construtor do Copacabana Palace, e bisneta de Carlos Sampaio, o prefeito que urbanizou o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas e foi um dos fundadores da própria sociedade que a rejeitou, a atriz acabou vetada por um grupo de membros do conselho em uma decisão surpreendente. A grande questão que animava a folia do Country era saber quem havia fulminado sua pretensão e o motivo para um ato tão drástico. “Foi um absurdo, principalmente porque a história de nossa família praticamente se mistura com a do próprio clube”, lamentou a decoradora Rosa May Sampaio, mãe de Guilhermina (procurada, ela não quis se pronunciar sobre o assunto).

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Como qualquer agremiação privada, o Country tem todo o direito de decidir quem admitirá como sócio. Neste caso, porém, o processo foi permeado de intrigas, hi­pocrisia e requintes de crueldade. Seguindo o estatuto, ela cumpriu religiosamente cada passo do ritual de entrada. Antes mesmo de ser aceita, desembolsou 480?000 reais pelo título, pré-requisito para apresentar seu nome aos demais. Sua candidatura foi avalizada por um dos cardeais da instituição, o ex-presidente da Bradesco Seguros e vice-presidente do clube, Eduardo Baptista Vianna. Sua ficha ficou afixada em um quadro de avisos na entrada da sede, conhecido como pedra. Circunstância rara, ela contava com um círculo de amizades de 34 pessoas entre os sócios, incluindo sobrenomes famosos como Almeida Braga e Monteiro de Carvalho. Embora frequentasse a piscina desde que estava na barriga de sua mãe, ela fez questão de telefonar para cada um dos membros do conselho. Foram mais de trinta ligações. Em todas, só recebeu elogios e apoios, o que não surpreende tratando-se de Guilhermina, uma mulher bonita, elegante, fina, educada, inteligente e famosa.

A desagradável surpresa veio há três semanas, quando o pedido de associação foi apreciado em uma reunião na qual estavam presentes praticamente todos os membros do conselho, entre titulares e suplentes. Vinte e quatro votaram. Antes do escrutínio, Baptista Vianna fez seu discurso pela aprovação, no que foi seguido pelo executivo do mercado financeiro Renato Bonjean e pelo advogado Jorge Hilário Gouvêa Vieira, amigo do pai de Guilhermina, o empresário Luis Eduardo Guinle. Em seguida, a urna passou de mão em mão, acompanhada de bolas brancas (indiferença), cubos vermelhos (aprovação) e cilindros pretos (rejeição). Aberta, veio o anúncio do veto. Como filha de sócio, Guilhermina poderia ter tomado até quatro bolas pretas. Levou cinco. Ou seja: foi feita uma articulação milimétrica para bombardear sua intenção.

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Imediatamente, começou a especulação sobre quem teria rejeitado a candidatura, num disse me disse que se estende até hoje. Na semana passada, as apostas se concentravam em torno dos nomes do ex-banqueiro Pedro Horácio Leitão da Cunha e dos advogados Eugênio José Andrade de Almeida e Silva, José Thomaz de Nabuco de Araújo, Ivan Luis Nunes Ferreira e, o mais inacreditável, Jorge Hilário Gouvêa Vieira, o mesmo que havia defendido a candidatura publicamente. O objetivo seria barrar não Guilhermina, que continua apta a frequentar o clube como sócia dependente do pai, mas, sim, seu namorado, Leonardo Pietro Antonelli, irmão da atriz Giovana Antonelli e advogado tributarista, que também constava na ficha de filiação ao clube.

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Desde que foi fundado, em 1916, o Country faz questão de manter a aura de lugar exclusivo, onde os sócios encontram seus pares em prestígio e riqueza, em um ambiente familiar. Inspirado nas aristocráticas agremiações de cavalheiros da Inglaterra, importou das ilhas britânicas seu pitoresco sistema de votação com bolas, cilindros e afins. De lá trouxe também a profunda preocupação com as origens e o passado de seus associados. Nascido em uma família de classe média do Leme, Antonelli, 41 anos, desenvolveu uma carreira no direito tributário e tornou-se desembargador do Tribunal Regional Eleitoral. Fez fortuna em sua trajetória, morando em uma ampla e luxuosa cobertura na mesma Vieira Souto onde fica o clube. Hoje separado, já foi casado com uma juíza da área cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio. Semanas antes de o pedido de Guilhermina ser apreciado, começaram a circular pelo Country alguns rumores sobre sua vida pessoal.

O falatório dava conta de que, durante uma festa da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), realizada em dezembro de 2010 no iate Pink Fleet, do bilionário Eike Batista, ele teria brigado feio com a ex-mulher, na frente de vários colegas de toga. Não há registro em delegacia nem processo judicial sobre o caso, mas a história correu no meio jurídico e, através dos advogados que fazem parte do conselho, se espalhou pelo clube. Ao ser informado sobre uma possível rejeição a seu nome, Antonelli procurou pessoalmente pelo menos dois conselheiros que estariam por trás das maledicências. Foi recebido amigavelmente por ambos e saiu confiante em que se tratava apenas de boatos. “Há candidaturas que não vão para a frente porque se tornam alvo de campanhas feitas por algum desafeto. Isso é comum em um clube tão fechado e tão pequeno”, diz o empresário Helio Ferraz, frequentador desde criança. Procurados por VEJA RIO para comentar o assunto, Antonelli, Gouvêa Vieira e Ivan Nunes não quiseram falar a respeito. Leitão da Cunha, Eugênio Almeida e Silva e José Nabuco não retornaram as ligações.

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Tão desejado quanto difícil de obter, o título do Country torna seu proprietário membro de um mundo à parte. São apenas 850 sócios. Para um entrar, alguém tem de sair. Ali, as pessoas convivem como se estivessem em uma extensão de sua sala de visitas. Nesse ambiente, um postulante que não seja bem-visto costuma receber sinais inequívocos de que levará bola preta antes mesmo de passar pela votação ? a maioria retira a candidatura para evitar a humilhação pública. A empresária Luciana Rique, herdeira de um conglomerado de centros comerciais, seria submetida à votação na mesma noite em que Guilhermina foi recusada. Ao perceber que não teria chance, decidiu pular fora. Três anos atrás, a artista plástica Adriana Varejão havia feito o mesmo ao notar que um grupo de sócios não simpatizara com seu então marido, Bernardo Paz (veja o quadro na pág. 24). “Guilhermina foi vítima de uma covardia, da mesma forma que eu fui há vinte anos. O voto dos conselheiros não deveria ser secreto, mas sim declarado”, diz Aparecida Marinho, ex-mulher de Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo, gongada em 1991 com três bolas pretas. Hoje, ela vai ao Country como dependente do filho.

Uma vez recusado, o postulante pode reapresentar o pedido no mês seguinte. Se for novamente preterido, precisa aguardar um ano para voltar à carga. No caso de Guilhermina, a candidatura continua de pé e será reavaliada pelo conselho no dia 27, como indica a ficha ainda afixada no quadro de avisos. Até a última hora, porém, ela pode desistir. Tudo vai depender do clima nos próximos dias. Por enquanto, a temperatura está elevada. Conta-se que as cinco bolas pretas deixaram o patrono de sua candidatura, Eduardo Baptista Vianna, tão furioso que ele colocou a vice-presidência à disposição. Procurado, Vianna disse que preferia não comentar o assunto antes da nova votação.

Fincado no trecho mais badalado da Praia de Ipanema, em uma área de 12?000 metros quadrados, o Country foi (e ainda é) refúgio de alguns dos nomes mais famosos do Brasil. Pelas suas seis quadras de tênis passaram figuras como Robert Falkenburg, duas vezes campeão em Wimbledon e criador da rede de fast-food Bob?s, e Jorge Paulo Lemann, o brasileiro mais rico do mundo e um dos donos da maior cervejaria do planeta, a AB Inbev. Em suas piscinas, uma delas vetada para menores de 18 anos, nadava até recentemente o ex-presidente da Fifa João Havelange. Mas o visitante de primeira viagem não deve esperar instalações luxuosas. A sede funciona em um casarão antiquado, de cor salmão, com sala de jogos, bar e cinema. A decoração tem um certo ar decadente, lembrando a década de 60. Mas a turma é refinada. Ali é heresia falar alto à mesa ou usar o celular em lugares como a piscina, a academia e o restaurante. Discrição é a palavra de ordem. “Nós temos por princípio não dar entrevistas nem expor o que acontece aqui”, proclama o presidente, Cesário Pereira Goulart de Andrade. O problema é que, seja no Country, seja fora dele, ninguém resiste a uma história recheada de tantas intrigas e fofocas.

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