Aqui só toca samba

Bloco novato de Madureira nasce com o propósito de levar Paulinho da Viola e outros bambas para a festa de rua carioca

Por Letícia Pimenta
Atualizado em 5 jun 2017, 14h39 - Publicado em 10 fev 2012, 16h32
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carnaval2.jpg (Redação Veja rio/)
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Um naipe diversificado de artistas e gêneros musicais inspira o Carnaval de rua carioca. O maluco-beleza Raul Seixas, o rei Roberto Carlos, o suprarromântico Wando, cantor que morreu na quarta passada, e os Beatles são alguns exemplos. Tem até quem batuque o rock grunge do Nirvana e o som pesado da dupla americana White Stripes – e, acredite, consegue assim arrastar uma multidão. Vertente muito em voga da festa a céu aberto no Rio de Janeiro, os blocos temáticos ganham novidades a cada temporada. Alguma coisa, porém, estava fora do compasso. Faltava uma agremiação que fizesse o óbvio e homenageasse um baluarte do samba. Exatamente para acabar com essa lacuna, um grupo de foliões criou o bloco Timoneiros da Viola. Como o nome sugere, o personagem escolhido foi o compositor Paulinho da Viola, que completa 70 anos em novembro. Conhecido pela elegância e pelo temperamento reservado, ele confirmou sua participação no desfile marcado para este domingo (12), em Madureira, a partir das 13 horas. Paulinho vai sair em cima de um caminhão de som, acompanhado da família. “Tudo teve início com uma pergunta: por que os ícones do samba raramente são executados no Carnaval? O fato é que não encontramos uma resposta”, conta o jornalista Vagner Fernandes, fundador do bloco ao lado do advogado Aguinaldo Dias e do contador Alexandre Martins. “Fiquei muito feliz com a iniciativa”, agradece Paulinho. “O mundo caminha no sentido de resgatar o passado. É fascinante ver o pessoal mais jovem entrando nesse movimento.”

O Timoneiros da Viola flerta com a nostalgia para cunhar uma série de inovações. Por sugestão do próprio homenagea­do, o repertório não ficará restrito apenas a músicas de sua autoria. Ele pediu aos componentes que cantassem também temas de Cartola, Noel Rosa e Pixinguinha, compositores brilhantes, porém praticamente ignorados pelos blocos que floresceram no período da retomada do Carnaval de rua do Rio, a partir de meados da década de 90. Na contramão do movimento que trouxe para a festa no asfalto até o funk e o sertanejo universitário, o novo bloco propõe um reencontro com elementos arraigados à história do samba. Outra proposta feita por Paulinho, e prontamente acatada pela agremiação, será na levada de bateria. Seus sessenta ritmistas vão tocar um ritmo mais cadenciado, em oposição à metralhadora percussiva que caracteriza os cordões atuais. “Certos elementos saborosos do ritmo são impossíveis de reproduzir por causa do andamento acelerado de hoje. De longe, parece um trem”, argumenta ele. “Defendo a necessidade de reaprendermos certas coisas.”

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Nessa linha preservacionista, o Timoneiros pretende dar destaque a instrumentos que caíram em desuso no Carnaval de rua. Entre eles, o prato, o reco-reco e o agogô, verdadeiras raridades entre os ritmistas do asfalto. Para coroarem o encontro, cantores e músicos da velha guarda da Portela vão reforçar o carro de som. Prometeram presença no desfile figuras conhecidas no meio, como Tia Surica, Áurea Maria e Monarco. Nessa confluência de várias gerações, eles se juntarão ao compositor Pedro Miranda, expoente da nova geração de artistas da Lapa, Cristina Buarque, cantora que é uma enciclopédia do samba, e Rhychah, intérprete oficial da Portela de 1995 a 1997, dono de um vozeirão singular. Paulinho da Viola, por sua vez, só vai decidir na hora se vai assumir um dos microfones. “O que dá sentido ao bloco é a espontaneidade”, despista.

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O esforço em recuperar a história e os clássicos do gênero que é a trilha sonora do país marca a trajetória do homenageado. Nos anos 70, ele já pedia para que não alterassem o samba tanto assim, conforme o verso da antológica Argumento. Nessa mesma época, produziu o disco Portela Passado de Glória, com obras-primas inéditas de compositores da agremiação do seu coração. O LP tornou-se a semente não só da velha guarda da azul e branco como de formações semelhantes de várias outras escolas da cidade.

De tempos em tempos, figuras de peso entram na trincheira contra a descaracterização do Carnaval. Desgostoso com a perda de identidade da festa, o compositor Antônio Candeia Filho fundou em 1975 o Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, que reunia na quadra nomes do calibre de Dona Ivone Lara, Elton Medeiros, João Nogueira e Mauro Duarte. O certo é que as novidades nunca foram capazes de destruir o ritmo – e Paulinho sabe bem disso. Nos anos 50, já se falava que os bons tempos da batucada haviam ficado para trás. O mesmo aconteceu anteriormente com o choro. “Jacob do Bandolim achava que o gênero ia acabar quando ele morresse, e isso não aconteceu”, conta o compositor de Foi um Rio que Passou em Minha Vida. “Uma nova geração trouxe o mesmo espírito de volta, com gênios como Raphael Rabello, que já tocava violão de sete cordas aos 12 anos.” Que o Timoneiros da Viola obtenha o mesmo sucesso em seu propósito de jogar luz sobre as boas tradições do samba.

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