Arquiteto espanhol Santiago Calatrava fala sobre o Museu do Amanhã e o Rio

Criador de prédios que mais parecem esculturas, o arquiteto espanhol revela as inspirações e os desafios da construção do Museu do Amanhã

Por Daniela Pessoa
Atualizado em 2 jun 2017, 12h34 - Publicado em 13 jun 2015, 01h00
Calatrava no Píer Mauá: admirador de Niemeyer, Villa-Lobos e da arara Blue
Calatrava no Píer Mauá: admirador de Niemeyer, Villa-Lobos e da arara Blue (Felipe Fittipaldi/)
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A principal obra cultural em construção no Brasil nasceu bem longe daqui. O Museu do Amanhã, o mais extravagante edifício da região portuária do Rio, em fase final de execução, começou a tomar forma nos Alpes suíços. Foi em um chalé plantado em meio à paisagem bucólica e arrematada por montanhas cobertas de neve que o arquiteto espanhol Santiago Calatrava, munido de sua inseparável maleta com pincéis, tintas e cadernos em branco, concebeu os primeiros traços do projeto, orçado em 215 milhões de reais. Uma vez definidas as linhas gerais, os demais desenhos foram feitos em outra paisagem, pelo próprio Calatrava: sentado à beira do Píer Mauá, no exato local onde o prédio de 18 000 metros quadrados está sendo erguido. Um dos mais brilhantes expoentes da chamada arquitetura-espetáculo, com mais de 100 projetos espalhados pelo mundo, Calatrava levanta prédios que mais parecem imensas obras de arte. Para sua estreia carioca, produziu mais de 400 esboços coloridos com aquarela até chegar à forma final. “Foi uma honra projetar esse museu, porque não se trata apenas de erguer um prédio, e sim de criar um marco da revitalização de uma região importante da cidade. Ele será, ao lado do belo Museu de Arte do Rio, uma âncora cultural na Praça Mauá”, explicou o arquiteto de 63 anos durante sua última visita à capital, há duas semanas. Na ocasião, conferiu os detalhes finais da arrojada construção, que tem previsão de abrir as portas ao público no segundo semestre de 2015, com um acervo dedicado à tecnologia e ao futuro da humanidade.

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Desde que foi contratado para erguer o prédio no píer, em 2010, o arquiteto já esteve pelo menos dez vezes no Rio. Nos últimos cinco meses foram duas visitas. A construção é fruto de uma parceria público-privada entre a prefeitura e a Fundação Roberto Marinho, com o patrocínio de um banco. “Calatrava tem traços muito originais, e o projeto é diferente de tudo o que temos na cidade. Era o ícone de que precisávamos para a nova Zona Portuária”, justifica o prefeito Eduardo Paes, que se encantou com o trabalho do arquiteto depois de visitar a Cidade das Artes e da Ciência, em Valência, na Espanha, construída por ele entre 1996 e 2009. O complexo cultural e de entretenimento, uma das obras mais audaciosas de Calatrava, reúne museu, planetário, aquário, teatro e outros prédios, que consumiram ao todo 1 bilhão de euros. O resultado foi magnífico, e não só do ponto de vista arquitetônico: fez com que a cidade espanhola, onde o arquiteto nasceu, ganhasse relevância no concorrido mapa turístico do país, impulsionando a realização de eventos internacionais e servindo até de cenário para grandes produções de Hollywood. Em cartaz nos cinemas, o filme Tomorrowland, dos estúdios da Disney, por exemplo, tem cenas em que o astro George Clooney passeia entre as formas calatravianas.

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Dono de uma respeitável empresa de projetos e construção com sede em Zurique, na Suíça, Calatrava estava na Itália quando soube do interesse de Eduar­­­­do Paes em contratar seus serviços. Prontamente, embarcou em um jatinho e voou de Roma até Lausanne, na Suíça, onde o prefeito participava de uma reunião com o Comitê Olímpico Internacional, em 2009. Desde então, o Rio foi incorporado a seus deslocamentos pelo planeta (sua empresa tem filiais em Nova York e em Doha, no Catar). A cada visita, ele acompanha as obras do museu e aprofunda sua pesquisa sobre a cidade. “Não gosto de dizer que estudei muito. Prefiro falar que estudei delicadamente, porque o que fiz foi entender a alma do Rio”, explica o arquiteto, pai de quatro filhos, que também é formado em engenharia, fala sete línguas e costuma se dedicar a poucos projetos por vez, porque faz questão de acompanhá-los pessoalmente. Sua primeira experiência carioca foi o desfile de Carnaval na Sapucaí, que o deixou boquiaberto. Ele se encantou com o Real Gabinete Português, as ladeiras do Morro da Conceição, o Jardim Botânico e o Sítio Burle Marx. Mas o momento mais marcante do arquiteto pop star na capital fluminense se deu há três anos, quando conheceu seu ídolo desde os tempos de estudante: Oscar Niemeyer. “Ele era um mestre e foi responsável por uma contribuição histórica à arquitetura moderna e contemporânea. Niemeyer era um artista. Para mim, é muito mais do que uma inspiração”, elogia. Calatrava é fã, ainda, do pianista Nelson Freire, de Heitor Villa-Lobos e da animação Rio, de Carlos Saldanha. Com um sorriso infantil nos lábios, confidenciou que estava levando duas pelúcias da arara Blue na mala (uma Louis Vuitton velha e surrada).

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A figura de Calatrava em nada se assemelha à modernidade de seus projetos. Com gestos contidos, voz baixa, quase inaudível, e um olhar tranquilo emoldurado por sobrancelhas grossas e óculos de aro arredondado, ele ocupa uma sala sem nenhum luxo, montada dentro de um contêiner no canteiro de obras da Praça Mauá, em suas passagens pelo Rio. Foi dali que saiu na tarde do último dia 3, horas antes de embarcar para a Europa, para guiar a reportagem de VEJA RIO pela construção. A empolgação ao falar de seu trabalho era tamanha que, por vezes, o levava a tropeçar nos entulhos acumulados no chão, enquanto apontava para os detalhes do prédio principal. Ali, 1 200 operários suam para finalizar o edifício, hoje com 90% das obras concluídas. No atual estágio, os maiores desafios são a instalação do teto solar, a quantidade absurda de soldas exigidas na montagem da estrutura de 4 000 toneladas de aço e ainda as curvas tridimensionais de concreto, que requerem moldagem especial. Ainda assim, nada se comparou à epopeia de construir a fundação do prédio, que dá a impressão de flutuar na água. Mergulhadores especializados precisaram instalar 30 000 metros de pilares submersos, invisíveis, para suportar o peso do gigante. “Acredito que o futuro da arquitetura é a virtualidade. Teremos cada vez mais coisas flutuantes, ou que voam”, diz Calatrava.

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museu do amanhã
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Com uma legião de admiradores espalhados por todo o planeta, Calatrava também arrebanha críticos de seu trabalho em proporção semelhante. Detratores de língua afiada costumam dizer que ele contabiliza mais queixas e processos judiciais do que prêmios. Os ataques dizem respeito, principalmente, aos atrasos, aos estouros de orçamento e às deficiências estruturais e funcionais dos monumentos depois de concluídos. Uma das maiores polêmicas no currículo do espanhol envolve, paradoxalmente, o ícone que o consagrou, em Valência. Lá, sua Cidade das Artes e da Ciência custou mais do que o previsto, e a sala de ópera do complexo, batizada de Palácio das Artes Rainha Sofia, precisou ser restaurada poucos anos após a inauguração. Na época, um político local lançou um site chamado Calatrava Te la Clava, algo como Calatrava te apunhala, denunciando os gastos excessivos e os altos honorários do mandachuva, que teria faturado 300 milhões de euros com o projeto (o arquiteto entrou na justiça e conseguiu a extinção do domínio sob alegação de difamação). Em Oviedo, também na Espanha, Calatrava foi condenado, no ano passado, a pagar cerca de 3 milhões de euros para reparar erros na execução do Palácio de Congressos da cidade. E, em Nova York, a estação de trens Path, projetada por ele para a região do antigo World Trade Center, destruído no atentado de 2001, está sete anos atrasada e deverá custar 4 bilhões de dólares aos cofres públicos, o dobro do que foi acertado. “Projetos muito inovadores às vezes trazem consigo controvérsias. Mas construir em Manhattan é muito caro, porque o acesso é difícil. Não sou o único a onerar as obras na ilha”, defende-se o arquiteto, que, no entanto, muda de assunto quando questionado sobre as polêmicas em seu país natal.  

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Sob a pressão do prazo exíguo e das limitações orçamentárias, a prefeitura tem acompanhado de perto a obra, que conta com consultores especializados em detalhes como acústica, iluminação e impermeabilização. Mas, em sua última visita ao local, Calatrava encasquetou que um dos materiais empregados na construção deveria ter qualidade superior. “Expliquei que a troca significava elevar o custo. E, desde o nosso primeiro encontro, eu disse que não aumentaria um centavo do orçamento”, revela Paes. Ainda assim, o museu assinado pelo arquiteto custará três vezes mais que a instalação original, bem mais simples, cuja previsão era que ocupasse dois antigos armazéns do porto. A decisão de contratar o espanhol para desenhar o museu continua provocando ciumeira. “O processo não foi aberto a outros profissionais nem deu margem a discussões sobre o projeto”, reclama o presidente da seção fluminense do Instituto de Arquitetos do Brasil, Pedro da Luz Moreira. “A quantidade de concreto utilizada, por exemplo, não me agrada”, ataca. Alheio às críticas, Calatrava desdobra-se em elogios à cidade que abrigará sua mais nova criação. “Veja só esse pôr do sol dourado! Este lugar é inacreditável”, exclamava à beira da baía, prestes a embarcar de volta para casa.

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