As estratégias do Theatro Municipal para superar a crise

Criatividade e trabalho de equipe são as armas da administração do Municipal para vencer a falta de dinheiro

Por Pedro Moraes
Atualizado em 7 ago 2017, 14h58 - Publicado em 7 ago 2017, 14h53
Anna Fischer
André Heller-Lopes: esforço para manter as portas abertas (Anna Fischer/Veja Rio)

O coro “Va, pensiero”, da ópera Nabucco, ecoou das escadarias do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em tom grave na manhã de 9 de maio. A obra de Giuseppe Verdi serviu como uma catarse da angústia que os funcionários da casa de espetáculos mais tradicional da cidade sentiam. Em livre tradução, a letra, cantada em italiano, diz: “Traz-nos o som de um lamento triste / ou nos inspire o Senhor uma harmonia / que faça de nosso sofrimento virtude”. A música, que na ópera cumpre a função de exprimir o sofrimento dos escravos hebreus longe de sua terra, foi usada por músicos, bailarinos e cantores para simbolizar a dramática realidade do atraso de salários por parte do governo do estado. O ato, que poderia causar uma interrupção na programação e o fechamento da instituição, como acontece em lugares como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), por exemplo, surtiu ali efeito contrário. O movimento marcou uma reação que tem ajudado o Municipal a escapar do marasmo e da decadência que contaminam outras instituições públicas fluminenses. Óperas como Jenufa, Norma e Carmina Burana atraíram, ao todo, 126 000 pessoas para o teatro. À frente da direção artística desde março, André Heller-Lopes produz a próxima atração, com estreia marcada para quarta (9). Trata-se de La Tragédie de Carmen, uma adaptação de Carmen, de Bizet, feita pelo diretor inglês Peter Brook e encenada como ópera-balé (veja o serviço na pág. 47). “Ficar de portas fechadas seria inadmissível. Reunimos o elenco para ver o que podemos oferecer ao público. Nosso trabalho, ainda que dentro de limitações, é basicamente atrair o público. E ele tem vindo”, comemora Heller-Lopes.

Mais valioso patrimônio cultural do Rio de Janeiro, o Theatro Municipal também é o mais caro. Com orçamento anual de 50 milhões de reais, representa 60% de todo o custo da Secretaria de Cultura. Só a folha de pagamento mensal é de 2,8 milhões de reais, destinados a manter, além dos funcionários administrativos, os chamados corpos estáveis: orquestra, balé e coro. Tal modelo, em que o estado mantém os próprios artistas, é único no país, mas sua existência só faz sentido se eles estiverem em cena. Para montar as produções, a equipe do Municipal tem feito o máximo de economia, reaproveitado figurinos e cenários e valorizado a prata da casa. Para levar Norma ao palco foram gastos 170 000 reais, enquanto duas temporadas de Carmina Burana custaram 302 000 reais, valores baixos para obras desse porte. Outra mudança proposta pela atual administração do teatro para combater o atraso dos salários foi o redirecionamento de toda a renda da bilheteria para o pagamento dos servidores. Metade das folhas de abril e de maio foi quitada com o valor arrecadado com a venda de ingressos. “Converso com nossos artistas e vejo quais opções de espetáculo montar. Usamos nossos músicos, nossos coreógrafos. Com isso, levantamos uma ópera em duas semanas”, explica o diretor.

Teatro Municipal do Rio pode fechar as portas
Protesto realizado em maio: o lamento dos artistas se tornou símbolo da virada para o teatro (Gabriel Paiva/Agência O Globo)

A própria classe artística vem se mobilizando para incrementar a programação do palco mais prestigiado do Rio. A cantora Fafá de Belém planeja uma apresentação no local cuja renda seja revertida ao próprio teatro. Já o pianista Nelson Freire propôs um festival com cinco récitas para 2018. E, mesmo diante de uma redução no patrocínio a projetos culturais, a Petrobras decidiu destinar ao Municipal 2 milhões de reais por ano por meio de benefícios fiscais previstos na Lei Estadual de Incentivo à Cultura. “O Theatro Municipal é um dos mais emblemáticos patrimônios do país. Nós, como um dos patrocinadores da reforma realizada no espaço em 2009, não poderíamos deixar de apoiá-lo”, afirma Diego Pila, gerente executivo de comunicação e marcas da Petrobras. “O sindicato distribui cestas básicas para os funcionários, mas o teatro está de portas abertas. O lugar do artista é no palco”, conclui Pedro Olivero, baixo no coro e presidente do sindicato da Ação Cultural do Estado do Rio de Janeiro. Para a turma do Municipal, a superação de crises segue o velho provérbio alemão: “Wo ein Wille ist, ist auch ein Weg” — onde há vontade, também há um caminho, em português.

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Óperas de resistência

As produções contam com elenco próprio e têm montagens econômicas

› Jenufa Com orçamento de 370 000 reais, a ópera checa foi encenada pela primeira vez no Rio depois de um conturbado período que envolveu até a paralisação de funcionários do teatro

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(Júlia Rónai/Divulgação)
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› Carmina Burana Utilizando-se do coro, da orquestra e do balé do Municipal, o espetáculo nasceu de um acordo entre a direção e os artistas da instituição

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(Júlia Rónai/Divulgação)

› La Tragédie de Carmen A versão de Peter Brook para o clássico de Bizet vale-se do balé em apresentação compacta, que concentra a ação nos protagonistas

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(Júlia Rónai/Divulgação)
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