Noites Cariocas celebra 45 anos e a década de 1990 no Morro da Urca
Criado por Nelson Motta em 1980, o mais antigo festival em atividade no país traz atrações reveladas em uma época esperançosa, como Daniela Mercury

Em 3 janeiro de 1980, Nelson Motta lançou um projeto munido de dois grandes trunfos: a localização privilegiada, no Morro da Urca, e a riqueza da música brasileira, que dominava a programação. No princípio, o Noites Cariocas era uma casa de shows e durou uma década — com apresentações históricas —, encerrando uma bem-sucedida trajetória em 1990. Catorze anos mais tarde, a dupla de empresários Luiz Calainho e Alexandre Accioly reviveu o sonho em formato de festival. A nova encarnação foi igualmente bem-recebida e persistiu até 2011.

Após nova pausa, ele voltou em 2022 e é o mais antigo festival do país na ativa: a edição de 2025, que começa na sexta (6), marca os 45 anos de um projeto que impulsionou carreiras de grupos como Titãs, Barão Vermelho, Legião Urbana e RPM, além de receber veteranos como Tim Maia — que morreu de medo do bondinho e só conseguiu subir deitado no piso do teleférico — e outros nomes consagrados. “O primeiro Rock in Rio aconteceu em 1985, e o line-up nacional, essencialmente, contou com artistas que bombaram no Morro da Urca”, pontua Luiz Calainho.

Para celebrar o aniversário, esta edição do festival, agora batizado de Tim Music Noites Cariocas, homenageia os anos 1980 — época da consagração do evento — e faz um tributo à década de 1990, trazendo, por exemplo, Daniela Mercury e Durval Lelys, além de Samuel Rosa e Adriana Calcanhotto. A eles, se juntam Barão Vermelho e Lobão, que passaram pela casa original, e Monobloco e Mart’nália, representantes dos anos 2000.

“Os anos 1980 vieram com um excesso de curtição, já os 1990 foram mais simples. Era uma fase de otimismo pós-Guerra Fria”, argumenta Karine Karam, pesquisadora de comportamento do consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e sócia da Markka Consultoria. A especialista também ressalta que a sociedade da performance, que persegue a excelência motivada pela exposição nas redes sociais, dá indícios de esgotamento. “Fala-se muito de saúde mental, bem-estar e detox tecnológico, sinal de uma exaustão coletiva. É natural que as pessoas busquem essa reconexão com um tempo de esperança”, aponta.

Em meio a essa onda nostálgica, o pagode romântico e o axé são dois gêneros musicais que vêm ganhando pujança. Ambos nasceram nos anos 1980, mas estão intrinsecamente associados ao período seguinte. Um dos motivos para essa valorização tem a ver com as discussões sobre a questão racial, que ganharam força no país na última década, trazendo uma nova perspectiva para esses estilos, que têm profundas raízes negras. Afinal, na época, na mesma proporção em que fizeram sucesso comercial, sofreram duras críticas da imprensa especializada, sendo considerados movimentos puramente mercadológicos e passageiros. As canções, no entanto, resistiram ao tempo.
“O axé nasceu da alma baiana, da energia das ruas de Salvador. Sinto uma valorização genuína, um olhar mais atento à nossa contribuição para a cultura brasileira”, comenta Durval Lelys, que no dia 13 de junho apresentará os hits de sua extinta banda, Asa de Águia. “Ver os jovens de hoje cantando as músicas com o mesmo entusiasmo dos que viveram aquela época é a prova de que fizemos parte de algo duradouro”, resume.
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A aflição relacionada a tensões do panorama global ó a exemplo das mudanças climáticas, incertezas sobre o mercado de trabalho com o desenvolvimento da Inteligência Artificial, os avanços contras as democracias e a cultura do ódio ó também têm ligação, quem diria, com o crescimento da popularidade da música dos anos 1990. É o que defende Daniela Mercury, atração do dia 14 de junho.
“O axé ganhou vigor novamente no Brasil porque a gente precisa de esperança. O Carnaval é muito forte, o São João também, porque são fruto do afeto”, analisa a cantora, que prepara um repertório especial para seu show — incluindo a canção O Riso de Deus, de 2015, dedicada ao Rio. “Como dizia Paulo Gustavo, rir, ter felicidade, sair da desesperança é o primeiro passo para a gente acreditar que é possível lutar pela humanidade. Estou compondo uma música sobre esse assunto”, adianta a cantora. Por aqui, alegria é coisa séria e arrebata palcos e plateias.
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Sucesso nas alturas
O Noites Cariocas em números

1980
ano de criação
2004
primeira retomada
2011
início da terceira temporada
14
edições do festival desde a retomada de 2004
310 000
pessoas terão passado pelo Noites Cariocas até 2025
132
atrações se apresentaram desde 2004