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O sonho tão perto

Depois de correr o mundo e exercer enorme magnetismo, o troféu que será dado ao campeão mundial chega ao Rio, onde ficará exposto durante quatro dias, no Maracanã

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h09 - Publicado em 23 abr 2014, 17h24
Thomas Hodel/reuters
Thomas Hodel/reuters (Redação Veja rio/)
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No que se restringe ao lado artístico, a peça não tem tantos méritos assim. Toda dourada, salvo as duas faixas verdes paralelas em sua base, e cheia de ranhuras na superfície, ela exibe a figura de dois atletas com os braços erguidos em celebração, como se sustentassem o globo terrestre. A associação instantânea é de comemoração e conquista do mundo, bem de acordo com o que representa o Troféu Fifa, que agora desembarca no Rio. Símbolo do torneio cuja última edição foi vista por 3,2 bilhões de pessoas mundo afora e que retorna ao Brasil depois de seis décadas, a taça é a atração maior de uma exposição que ocupa a área externa do Maracanã da próxima terça (22) até sexta (25). Nesse período, das 9 às 21 horas, o carioca poderá ver de perto o troféu que oxalá seja levantado em triunfo pelo zagueiro Thiago Silva após a partida final, no dia 13 de julho, no mesmo estádio. “Essa taça é o marco da nossa conquista. Você vira criança diante dela”, diz Dunga, ex-jogador e capitão do tetra, que, ao receber a estatueta, em 1994, soltou uma série de impropérios.

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A menos de dois meses do pontapé inicial da competição, o evento se apresenta como um bom aperitivo para a festa. Numa ampla área de entretenimento, de 8?000 metros quadrados, estão programadas diversas atrações abertas ao público, com expectativa de atrair 20?000 pessoas por dia. Cereja do bolo, o troféu ficará exposto numa tenda, protegido por vidro blindado e com acesso a um número limitado de pessoas por vez. Antes de chegar ao recinto onde pode ver a taça de perto e até tirar foto ao lado dela, o visitante tem a seu dispor uma série de brincadeiras ligadas ao universo do futebol, como chutes a um alvo minúsculo e totó humano. Estão previstos também um túnel com projeção de imagens, uma sala com jogos eletrônicos e outra para a exibição de filmes sobre a história das Copas. Em um palco do lado de fora se revezarão dançarinos, atletas de futebol freestyle, que fazem malabarismo no controle de bola, e DJs. No último dia, o encerramento tem como mestres de cerimônias a cantora Gaby Amarantos e o Monobloco. Após a jornada, a estatueta segue para outras 26 capitais brasileiras, com a primeira escala em Porto Alegre. Ao completar o giro, ela volta ao Rio para ficar trancada em um cofre, mantido sob sigilo total, de onde só sairá para a grande partida final.

O Brasil é o último destino de uma viagem ao redor do mundo que já levou o caneco a outros 89 países desde setembro, numa iniciativa em conjunto de Fifa e Coca-Cola (veja o quadro na pág. 34). Algumas das nações inseridas no roteiro têm tanta tradição no futebol quanto o Brasil na Olimpíada de Inverno. Um desses paradeiros foi o Butão, minúsculo país asiático que é simplesmente o último colocado no ranking de seleções da Fifa. Mas, a despeito do histórico da equipe local, a passagem do troféu arrastou uma multidão ao estádio Changlimithang. Em determinadas escalas, como São Cristóvão e Névis, no Caribe, e Vanuatu, na Oceania, a cerimônia ficou limitada ao aeroporto. No entanto, independentemente do período de estada, não faltaram relatos emocionantes ao longo da turnê. Na Palestina, uma visita-surpresa ao treino da seleção feminina causou alvoroço nas atletas, que só podem jogar com autorização do pai ou do marido. Um comerciante mexicano, aos prantos diante do artefato, lembrava que seu pai o levou para ver a Jules Rimet quando seu país sediou o Mundial de 1970. Em Belize, um taxista fanático pela seleção de Neymar também perdeu a linha ao se aproximar do “troféu que Ronaldo levantou”. Mas nada que se compare ao transe vivido pelo presidente de Gana, John Mahama. Hipnotizado diante da escultura, desandou a cantar e dançar. “É impressionante o poder que a estatueta exerce”, diz Annamaria Gazda, coordenadora do projeto Tour Global da Taça, que acompanhou o giro em 56 países. “É uma paixão que desconhece fronteiras, nível social e até senso de ridículo.”

Um objeto de valor incomensurável, que exerce magnetismo por onde passa, requer uma logística meticulosa em sua locomoção. Para começar, não se presta a viajar no bagageiro de um avião comercial. Em nome da agilidade e da segurança, os organizadores fretaram um Fokker 100 só para transportá-lo na turnê. Toda adaptada, a aeronave se divide em dois compartimentos. Na parte da frente viaja o troféu, acomodado em um baú de couro criado pela grife Louis Vuitton especialmente para esse fim. Dois seguranças não desgrudam do artefato. Eles estão sempre de luvas, uma vez que apenas chefes de Estado e jogadores campeões mundiais podem tocar na taça. A bordo, na parte de trás, vão os funcionários envolvidos na operação e os convidados. Todos eles são obrigados a entrar e sair pela porta traseira, pois a entrada dianteira é um acesso exclusivo da taça e dos políticos. No Rio, o troféu terá uma escolta digna de chefe de Estado, a cargo da Polícia Federal e das Forças Armadas.

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A história do Troféu Fifa tem início mais de quatro décadas atrás, quando, como previa o regulamento de então, o Brasil ficou com a posse definitiva da Jules Rimet ao sagrar-se tricampeão mundial, em 1970. Para criar uma taça que viesse substituir a anterior, a entidade máxima do futebol promoveu um concurso internacional, que contou com a participação de 53 artistas europeus de sete nacionalidades. Foi vencedor o desenho de Silvio Gazzaniga, um designer italiano hoje com 93 anos, que quis representar o “êxtase da vitória” (veja a entrevista na pág. 36). A peça original ganhou forma no ateliê de Milano Bertoni, em Milão, no começo da década de 70, e coube ao capitão alemão Franz Beckenbauer o privilégio de ser o primeiro jogador a erguê-la, no Mundial de 1974. Ela mede quase 40 centímetros e pesa pouco mais de 6 quilos (veja o quadro na pág. 33). Algum tempo atrás, pesquisadores da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, levantaram a suspeita de o objeto ser oco, pois, se fosse de ouro maciço, conforme se apregoa, pesaria no mínimo dez vezes mais. Porém, como são pouquíssimos os mortais autorizados a manusear a escultura, a hipótese dificilmente será comprovada.

MARCOS ROSA
MARCOS ROSA ()

O rigoroso protocolo que envolve todos os processos referentes ao novo (mas nem tanto) troféu é não só uma forma de consagrá-lo, mas se trata de uma precaução justificável dada a conturbada trajetória da Taça Jules Rimet, criada pelo escultor francês Abel Lafleur em homenagem à deusa grega Nike. A primeira encrenca da qual ela foi pivô ocorreu na II Guerra, quando um dirigente italiano da Fifa a escondeu dentro de uma caixa de sapatos sob sua cama, com medo de que ela virasse um espólio nazista. Quatro meses antes da Copa da Inglaterra, em 1966, aconteceu outro episódio inacreditável. Exposta em uma igreja de Londres, a Jules Rimet foi surrupiada por larápios, que se valeram da distração dos seguranças. O roubo mobilizou o país de Sherlock Holmes e da Scotland Yard, mas quem desvendou seu paradeiro e evitou o pagamento de vultoso resgate foi um insólito detetive: o cão Pickles. Ele farejou na rua um embrulho com o troféu enquanto seu dono fazia uma ligação de um telefone público.

Ao menos esse caso teve um final feliz, ao contrário do que ocorreria no Rio em dezembro de 1983. Aproveitando a calmaria do calendário esportivo no fim do ano, ladrões entraram na sede da Confederação Brasileira de Futebol, na Rua da Alfândega, e levaram a estatueta sem dificuldade. Retiraram apenas o único prego que prendia a cúpula de vidro blindado à base de madeira. Quatro pessoas viriam a ser condenadas pelo crime, mas a taça nunca mais apareceu, dando força ao rumor de que ela teria sido derretida e negociada em barras. Ressabiada depois dos incidentes, a Fifa agora guarda o troféu original em sua sede em Zurique, na Suíça, de onde só sai em ocasiões especiais, casos do tour mundial e, claro, da Copa. Como consolo, a entidade dá uma réplica a cada equipe campeã. “Até hoje me emociono ao chegar perto do caneco”, diz Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, escolhido para descerrar o véu que cobrirá a taça na abertura da exposição carioca. No Maracanã ela está em casa.

PAVESI/OLYMPIA/SIPA
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